São Paulo, terça-feira, 24 de outubro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Conversando com as Nações Unidas

RUBENS RICUPERO

A idéia é lançar um fórum aberto para que cada um possa participar da discussão e solução dos problemas mundiais

A BOMBA norte-coreana, a invasão do Líbano, a crise do Irã e o atoleiro do Iraque são apenas algumas das razões que explicam por que não se pode viver sem a ONU.
São, no momento, 17 operações de paz, com orçamento anual de US$ 5 bilhões, quatro vezes mais que o orçamento regular da organização. Mais de 70 mil militares e policiais, entre os quais os brasileiros no Haiti, ajudam a construir a paz no mundo todo.
Quando se fez a invasão do Iraque, em violação da Carta das Nações Unidas, se afirmou que a ONU sofrera um golpe de credibilidade. O que ela tinha sofrido era outra coisa: perda de efetividade, que depende de meios que ela nunca teve. É óbvio que, sem força própria, a ONU não podia opor-se à ação unilateral dos EUA.
Credibilidade, isto é, a capacidade de merecer confiança, ela teria perdido se tivesse servido de instrumento do que agora até um diplomata americano descreveu como "arrogância e estupidez" do seu país. Legitimidade para usar a força só nasce do consentimento da comunidade internacional. E este se expressa pela Carta da ONU. Sem ele, mesmo o poder não basta, pois não conquista, como se vê no Iraque, o apoio interno, dos vizinhos ou aliados independentes.
O mundo é hoje mais perigoso que em 2001. Mas, se a ameaça do terrorismo da Al Qaeda ou o risco da arma atômica de Pyongyang ou Teerã são maiores que antes, a culpa não é da ONU. Ela recai sobre os que confiaram no próprio poder para ter resultados rápidos. De novo se comprova ilusório crer que descartar a ONU aumenta a eficiência: no final, não se tem nem legitimidade nem eficiência.
É essa a essência da ONU: paz e segurança de todos e para todos, o mais perto que, em nossa imperfeição, pudemos chegar do ideal do governo mundial. Um grande estadista, Franklin Roosevelt, viu que ela era o único meio de evitar a repetição dos 60 milhões de mortos da Segunda Guerra.
Acertou, pois, se apenas 20 anos separaram as duas guerras mortais do século 20, já se passaram 61 anos da última sem novo conflito mundial. Conseguiu-se superar a Guerra Fria, o terror atômico, o apartheid, a descolonização de uma centena de países na Ásia, África e no Caribe e a emergência da China como nova potência preservando-se relativa paz.
Falta erradicar a miséria e a doença, impedir o genocídio, promover a obediência aos direitos humanos, reduzir a desigualdade e deter a destruição do meio ambiente, objetivos que, pela primeira vez, foram quantificados com prazos e datas nas Metas do Milênio, adotadas em 2000 e reafirmadas no ano passado.
Para isso, é preciso dar à ONU apoio e meios. O primeiro passo é mobilizar pessoas e instituições em cada um dos quase 200 países. A mobilização brota da tomada de consciência, e esta, do diálogo. Daí a idéia de lançarmos hoje o Conversando com as Nações Unidas, um fórum aberto para que cada um possa participar da discussão e solução dos problemas mundiais.
Conversar com as Nações Unidas é conversar consigo próprio, pois a ONU somos nós, todos os habitantes da Terra. Por meio dessa conversa permanente, o que desejamos é explicar a ONU aos brasileiros e levar às Nações Unidas as aspirações e propostas da nossa gente. Nós, os povos, não temos a sensação de que somos a ONU porque os governos é que nos representam. A maioria nem sabe o que os governos dizem em nome dela.
Por isso, devemos unir nossas vozes individuais e articular idéias em torno disto: o que pode a ONU fazer para nós e o que podemos fazer para ela. A primeira parte é clara: o caminho mais seguro para realizar a paz e a segurança, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos passa pela ONU. A segunda depende de nós: como traduzir em nossas escolas, faculdades, empresas e igrejas as Metas do Milênio e esses direitos?
Como se vê, há espaço enorme para a criatividade de cada um. Ao lançar a iniciativa, nosso propósito é estimular a criação de uma rede de pessoas e entidades articuladas em todo o país.
O Brasil vive um processo de internacionalização, e não só na economia. Até em problemas internos, como a luta contra o trabalho escravo e o infantil, a defesa dos indígenas, a proteção da biodiversidade, o combate ao racismo, à pobreza e à desigualdade, temos muito a aprender com a experiência internacional veiculada por meio de estudos e propostas da ONU.
No momento em que a eleição de um novo secretário-geral renova a esperança de todos os cidadãos do mundo, é bom lembrar da frase do papa Paulo 6º: A igreja, mas também a ONU, são as grandes especialistas em humanidade com que conta um planeta ameaçado.


RUBENS RICUPERO , 69, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). É colunista do caderno Dinheiro .


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