São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O peso do mundo nas costas

LUIS ALVARO DE OLIVEIRA RIBEIRO


Do dia para a noite, você tem superpoderes e pode comprar tudo o que sempre desejou; como transformar os nossos jovens jogadores em cidadãos?

Imagine-se, caro leitor, no seguinte cenário. Você voltou aos seus 17 anos. Tem que pedir dinheiro ao seu pai para o ônibus, para o sorvete, para convidar a menina bonita da escola para ir ao cinema.
Você é quase um ser invisível entre as mulheres, um menino pouco popular. Você e seus irmãos não passam fome, mas as contas são todas controladas.
Seu sonho é ter um tênis de marca. Carrões, só em devaneios. Você tem um dom inato, ouve que é craque. Transforma-se na esperança de seus pais, da família, de agregados e de amigos. Ninguém diz, mas a felicidade geral depende de você. O mundo nas suas costas.
Tudo o que você idealiza está, na verdade, no vestiário do "time de cima", onde os profissionais vestem as "capas" que os elevam a super-heróis; no mundo real, são os uniformes que ostentam todo o simbolismo que transforma simples garotos em semideuses.
Em um estalar de dedos, você é o "escolhido". Não só vai para "o time de cima" como passa a ser titular. Faz seu primeiro gol. Vê seu retrato no jornal. Tem que enfrentar um batalhão de repórteres.
Tudo o que você fala e pensa vira notícia. Você corta o cabelo, e uma legião de garotos o imita. Um simples pedaço de papel com seu nome vira motivo de sorrisos. Às vezes, de chiliques femininos.
Do dia para a noite, você tem superpoderes. Pode comprar tudo o que sempre desejou. Todas as mulheres - inclusive aquelas que você só via na revista- estão a seus pés.
Imagine, leitor, que, como qualquer criança, você comandava no videogame os seus maiores ídolos: Kaká, Drogba, Ronaldinho Gaúcho e Messi. Agora, você comanda a si mesmo. O filme hollywoodiano descrito acima acontece todos os dias diante de nossos olhos em qualquer grande clube do Brasil.
Mas há sempre efeitos colaterais. Como impor limites a super-heróis? Como transformá-los em cidadãos?
O desafio que nos é imposto, como presidente do Santos Futebol Clube, é gigantesco. Para nós, Neymar, PH Ganso, Alan Patrick, Wesley, André e Zé Love não são apenas nomes ou ídolos. São parceiros de trabalho, são amigos e, para mim, são filhos. Como você, leitor, não quero apenas que meus filhos tenham sucesso. Meu trabalho é para que sejam bons homens.
Implantamos no Santos, pela primeira vez em um clube de futebol do país, um departamento de gerenciamento de carreiras. É o primeiro passo para educar simples meninos a ponto de se tornarem homens capazes de suportar a pressão de serem espelho e vidraça.
Espelho porque milhares querem ser como eles. Vidraça porque tudo o que fizerem, até em suas vidas privadas, será julgado. E o julgamento muitas vezes é impiedoso.
Já contratamos uma equipe multidisciplinar para essa tarefa. Temos a partir de agora um staff com profissionais de ponta nas áreas de psicologia, marketing, comunicação e finanças, para que não vejamos outro filme várias vezes reprisado: o do grande jogador que terminou a vida na miséria e no ostracismo por não ter sustentação para sobreviver após o fim da carreira.
O Santos, que inovou ao ousar dizer não a um cheque de 35 milhões de euros para manter no Brasil um talento raro, se impõe um novo desafio: ser o lugar onde os pais de futuros craques gostariam de ver seus filhos preparados para serem homens de verdade.
Sem limites, imbatíveis, mas só dentro de campo. Fora dele, cidadãos de quem todos, inclusive o caro leitor, possam se orgulhar.


LUIS ALVARO DE OLIVEIRA RIBEIRO, 67, é empresário e presidente do Santos Futebol Clube.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br


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