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TENDÊNCIAS/DEBATES
A maconha deve ser descriminalizada?
SIM
A velha discussão sobre o crime sem vítima
FERNANDO GABEIRA
Para responder com seriedade à
questão da descriminalização, alguns países, como os EUA e a França,
criaram comissões parlamentares com
amplos poderes de investigação. No caso norte-americano, a comissão presidida pelo senador Raymond Shafer, disponibilizou uma verba adicional de US$
2 milhões para realizar pesquisas próprias destinadas a responder a perguntas que o trabalho científico, até aquele
momento, ainda não tinha focalizado.
Tanto a resposta francesa quanto a
norte-americana, ao cabo de extensas
discussões, convergem para admitir
que a maconha deveria ser legalizada,
uma vez que não representa mais perigo
para a saúde humana do que algumas
outras drogas já existentes no livre mercado. Outros caminhos trilhou a polícia
britânica para recomendar ao governo
Blair uma política mais liberal em relação à maconha. Pesquisas internas revelaram que um flagrante e todos os trâmites legais indispensáveis à prisão de
um fumante de maconha tomam cinco
horas de trabalho, um tempo precioso
demais a ser tomado da polícia.
Um elementar senso de ridículo levou
o governo britânico a reformular a sua
política, criando uma área experimental
no distrito de Lambeth, em Londres,
onde está o bairro de Brixton, com
grande presença de estrangeiros, inclusive jamaicanos. Nessa área, fumar é
permitido, pois a polícia tem mais o que
fazer além de prender usuários de maconha. A mesma reflexão da Polícia
Montada do Canadá -uma análise de
custos e benefícios da repressão ao uso
da maconha- a levou a recomendar ao
governo um processo de flexibilização
que a liberasse dessas tarefas mesquinhas e contraproducentes.
Mesmo no Brasil, há cerca de dois meses, a Academia de Polícia do Rio deu
um passo adiante, abrindo um debate
sobre o tema, presidido pelo delegado
Álvaro Dias. Ali foi possível que alguns
dos argumentos acima fossem expostos
democraticamente para uma platéia
que começa a questionar os fundamentos da política brasileira sobre a maconha. No Brasil, a violência ligada ao comércio clandestino é mais intensa, sendo considerada um fator determinante
da insegurança das grandes cidades.
A União Européia afirma que no mínimo 45 milhões de europeus experimentaram maconha -cerca de 15 milhões fizeram nos últimos 12 meses. A
maioria dos consumidores (40%) estava na faixa dos 18 anos; na faixa de 15 a
16 anos, 25%. A conclusão desse trabalho de pesquisa indica uma saída de
bom senso, pois, para os observadores
políticos, ficou bastante claro que uma
lei quebrada por 45 milhões torna-se
ameaçada. Lá, enquanto a sociedade
discute, os países que ainda não reformularam tendem a fazer vista grossa.
No último fim de semana, o ministro
da Saúde francês, Bernard Kouchner,
recebeu mais um relatório científico sobre o tema, concluindo também, pela
enésima vez, que os males produzidos
pelo consumo da maconha não justificam sua proibição. O mais recente relatório francês do Instituto Nacional de
Saúde e Pesquisa Médica desautoriza
também -o que as estatísticas já tinham feito com eloquência- a tese de
que a maconha é uma escada para outras e mais perigosas drogas. A Holanda, onde a maconha é vendida em "coffee shops", sempre foi uma demonstração concreta da falsidade dessa tese.
Ora, os consumidores de heroína holandeses não aumentaram em número.
O Brasil vive uma semana decisiva
nessa discussão. O Senado deve aprovar
um projeto, em plenário, excluindo a
pena de prisão para usuários de droga,
que ficarão sujeitos a multas, a trabalhos comunitários ou, em casos mais
graves, à suspensão de alguns direitos.
Além da lentidão pátria, há também o
velho problema da hipocrisia. Signatário do documento da ONU, de junho de
98, no qual se dispõe a ajudar por todos
os meios a integração do usuário na sociedade (artigo 7º), o governo brasileiro
está silencioso diante do episódio da demissão, pela TV Cultura, da apresentadora Sonia Francine.
Nossa timidez se deve também à pressão norte-americana. Algo que os canadenses conseguem superar, apesar de
estar no olho do furacão repressivo.
Nem o remédio Marinol, baseado no
principio ativo da maconha e usado para aplacar enjôo dos pacientes em quimioterapia contra o câncer, conseguimos produzir, apesar de estarmos
prontos para isso no laboratório estadual de Pernambuco. Temos de comprar a produção norte-americana.
Trabalho com o tema no Brasil há 20
anos. Até ajudantes de caminhão gritam ao passar: "Quando é que vamos liberar?" Não há calendário previsto. Enquanto isso, resta-nos repetir a frase de
sempre: "Se não há crime sem vítima,
por que é crime usar maconha?
Fernando Gabeira, 60, deputado federal (PT-RJ), é autor do livro "A Maconha", da série "Folha
Explica" (Publifolha).
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