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Aborto: um dilema para o eleitorado católico
BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA
Os candidatos não viram todo o potencial político que teriam à disposição caso se opusessem à esquerdização que vai arruinando o país
UM DOS fenômenos que mais se
têm generalizado na realidade
político-social das sociedades
modernas é o divórcio profundo entre
o público, de um lado, e o mundo político, a mídia e a publicidade, de outro.
A exigüidade deste artigo não me
permite a análise acurada desse fenômeno. Mas a menção a alguns fatos
tornará vivo no espírito dos leitores
aquilo a que me refiro.
Um dos maiores projetos políticos
das últimas décadas é, por certo, a Comunidade Européia. Apresentada incansavelmente pelas tubas da publicidade como um anseio dos povos europeus, foi "evoluindo" de uma mera
união aduaneira para uma ousada federação de nações, sem fronteiras,
com moeda única e tendendo para
uma unidade política e militar.
É verdade que, quando os povos
eram consultados diretamente, sobrevinham oposições, as quais os políticos habilmente contornavam, fazendo ouvidos moucos aos verdadeiros anseios das populações.
Assim, o mundo político-publicitário prosseguiu sua aventura até chegar a propor uma Constituição para
toda a Europa comunitária. As derrotas de tal proposta no plebiscito na
França e, logo em seguida, na Holanda deixaram a nu o profundo divórcio
da opinião pública com seus dirigentes, condenando o projeto da Europa
unida a um letargo que se arrasta até
agora.
Volto-me para a realidade brasileira e não tenho dificuldade em constatar que esse divórcio se dá aqui também -e tende a agravar-se. A falta de
sincronia profunda e vital dos dirigentes do Estado e, mais amplamente, do mundo político-publicitário
com os ideais e os modos de ser autênticos da nação é de molde a gerar,
mais cedo ou mais tarde, uma situação imprevista e até dramática.
Recentemente, reportagem publicada por esta Folha deu conta de uma
pesquisa em que 47% do eleitorado
brasileiro se definiu como de direita,
23% de centro e apenas 30% de esquerda. Mais ainda, a maioria demonstrou adotar posições conservadoras, como a condenação ao aborto e
às drogas e a defesa de medidas duras
contra o crime. E, nesses quesitos, os
eleitores mais jovens se mostraram
mais conservadores que os mais velhos. Realidade bem diversa da que
nos é cotidianamente apresentada.
Entretanto, onde estavam os representantes do mundo político para essa corrente de opinião direitista e
conservadora? Pelo contrário, pareciam os candidatos convencidos de
que, quanto mais se colorissem de
tintas esquerdistas, tanto mais ganhariam terreno na simpatia popular.
Aparentavam não avaliar corretamente todo o potencial político que
teriam à sua disposição caso se opusessem com firmeza à esquerdização
sub-reptícia, mas efetiva, que vai arruinando o país.
A estranheza, a apreensão e a sensação de inautenticidade de muitos
de nossos compatriotas em relação ao
processo eleitoral talvez provenha
exatamente disso. O que se constatou
na recente disputa eleitoral, como
largamente tem sido apontado, foi a
ausência de temas de real interesse
na discussão das propostas de governo dos candidatos.
A ação impune dos movimentos sociais, como o MST, e a reforma agrária confiscatória parecem ter sido olvidados. O combate ao crime e o desarmamento, que levaram a um resultado inesperado e espetacular no
referendo das armas, foram silenciados. O aborto, um outro tema, crucial,
que encontra forte oposição na opinião pública, foi também esquecido.
Para nos referirmos a este último, é
preciso levar em conta que a questão
do aborto afeta profundamente a opinião pública -mais particularmente
a opinião católica- em sua escolha
eleitoral por atentar contra os princípios morais ensinados pela igreja e
reiteradamente relembrados pelos
sumos pontífices.
João Paulo 2º, na Carta Encíclica
"Evangelium Vitae", relembra que,
"dentre os crimes que o homem pode
realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o
tornam particularmente grave e abjurável". Frisa ainda o pontífice a grave responsabilidade moral que pesa
sobre os legisladores que promovem
e aprovam leis abortistas.
O PT -principal partido da coalizão de forças que apoiou o presidente
Lula à reeleição-, em suas diretrizes
para a elaboração do programa de governo para a eleição presidencial deste ano, prometeu empenho na descriminalização do aborto.
Estavam os católicos conscientes
desse dado? Tiveram os eleitores
uma resposta clara sobre esse assunto da parte dos candidatos, não apenas enquanto indivíduos, mas do
ponto de vista de seus programas de
governo? Infelizmente, não...
DOM BERTRAND DE ORLEANS E BRAGANÇA, 65, é tetraneto de dom Pedro 1º.
dombertrand@terra.com.br
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