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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Dia dos Morenos
SÃO PAULO - Mãe, você sabia que
quinta-feira não vai ter aula?
- É, filha, eu sei...
A garota, de apenas cinco anos, se
apressa na explicação:
- É porque quinta-feira é feriado.
É o Dia dos Morenos...
O diálogo que intrigou a mãe
ocorreu na semana passada. Ao
chamar o Dia da Consciência Negra
assim, a criança, na inocência do
seu eufemismo involuntário, que
provavelmente ouviu de alguém
(inocente?), toca o nervo da questão racial no Brasil.
Transformar a morte de Zumbi
dos Palmares numa data "morena"
é um sintoma do nosso racismo
cordial, sem dúvida, mas também é
uma forma de exaltar a mistura étnica da nossa formação, o caldeirão
biológico e cultural em que borbulha nossa civilização mestiça.
Entre nós a escravidão não foi
um impedimento à miscigenação
-e quem tirou as conseqüências
(não apenas) positivas disso foi Gilberto Freyre. Mas tampouco a miscigenação impediu que a herança
brutal da escravidão sobrevivesse à
Abolição, impondo-se ainda hoje,
depois de 120 anos, como fardo e
vergonha nacional.
Que ninguém de boa-fé subestime a exclusão dos negros no Brasil
de hoje. A pesquisa publicada pela
Folha oferece um retrato abundante das nossas iniqüidades. Entre os
10% mais pobres do país, 68% são
pretos e pardos. Não choca?
Uma inflamada discussão sobre
cotas ganha corpo no país. O tema é
complexo. Penso que políticas de
inclusão com critérios de renda seriam socialmente mais eficazes e
menos traumáticas que as cotas raciais, vistas pela maioria como "necessárias", mas "humilhantes".
O governo parece conduzir a
questão com exagero populista e
excessos facilitários. Quantos alunos da rede pública estão no ensino
médio e não sabem escrever? O
"pobrema" é mais embaixo.
Mas o que realmente chama a
atenção nesse debate é a fúria de
certos militantes anti-cotas para
negros. Esbravejam como se um
mundo -repleto de morenices e
privilégios- fosse se extinguir.
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