São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Dia dos Morenos

SÃO PAULO - Mãe, você sabia que quinta-feira não vai ter aula?
- É, filha, eu sei...
A garota, de apenas cinco anos, se apressa na explicação:
- É porque quinta-feira é feriado. É o Dia dos Morenos...
O diálogo que intrigou a mãe ocorreu na semana passada. Ao chamar o Dia da Consciência Negra assim, a criança, na inocência do seu eufemismo involuntário, que provavelmente ouviu de alguém (inocente?), toca o nervo da questão racial no Brasil.
Transformar a morte de Zumbi dos Palmares numa data "morena" é um sintoma do nosso racismo cordial, sem dúvida, mas também é uma forma de exaltar a mistura étnica da nossa formação, o caldeirão biológico e cultural em que borbulha nossa civilização mestiça.
Entre nós a escravidão não foi um impedimento à miscigenação -e quem tirou as conseqüências (não apenas) positivas disso foi Gilberto Freyre. Mas tampouco a miscigenação impediu que a herança brutal da escravidão sobrevivesse à Abolição, impondo-se ainda hoje, depois de 120 anos, como fardo e vergonha nacional.
Que ninguém de boa-fé subestime a exclusão dos negros no Brasil de hoje. A pesquisa publicada pela Folha oferece um retrato abundante das nossas iniqüidades. Entre os 10% mais pobres do país, 68% são pretos e pardos. Não choca?
Uma inflamada discussão sobre cotas ganha corpo no país. O tema é complexo. Penso que políticas de inclusão com critérios de renda seriam socialmente mais eficazes e menos traumáticas que as cotas raciais, vistas pela maioria como "necessárias", mas "humilhantes".
O governo parece conduzir a questão com exagero populista e excessos facilitários. Quantos alunos da rede pública estão no ensino médio e não sabem escrever? O "pobrema" é mais embaixo.
Mas o que realmente chama a atenção nesse debate é a fúria de certos militantes anti-cotas para negros. Esbravejam como se um mundo -repleto de morenices e privilégios- fosse se extinguir.


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