São Paulo, segunda-feira, 24 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A verdade sobre as escutas telefônicas

FERNANDO MATTOS


Como é possível que o número de escutas no país tenha caído de 410 mil em 2007 para somente 11,8 mil em 2008?

A DIVULGAÇÃO , pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), do número de interceptações telefônicas com autorização judicial causou perplexidade.
Como é possível que o número de escutas efetuadas no país tenha caído de 410 mil em 2007 (como informado pelas operadoras de telefonia à CPI das Escutas Telefônicas Ilegais) para apenas 11,8 mil em 2008? A resposta, ainda que muitos tenham preferido não escutar, vem sendo dada pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) desde que se proferiu o primeiro discurso inflamado contra a "farra dos grampos". O número estava errado.
As escutas telefônicas legais, ou seja, aquelas autorizadas judicialmente, não chegam a 1% do número de procedimentos em tramitação nas varas criminais em todo o país. Tal conhecimento é trivial no meio jurídico. E os números enviados em resposta ao questionamento do Conselho Nacional de Justiça o demonstraram.
Aliás, os magistrados federais sempre foram favoráveis a um controle estatístico das autorizações para escuta telefônica, exatamente para provar o óbvio: que as escutas são medidas excepcionais.
Os juízes são muito cautelosos na concessão desse tipo de medida, que é excepcional e destinada a investigações de crimes mais graves, como são os praticados por organizações criminosas ou o tráfico de drogas e de armas, a corrupção de agentes públicos e a lavagem de dinheiro.
O número de escutas apurado pelo CNJ com base nas informações encaminhadas pelos tribunais (11,8 mil escutas e 1,2 mil autorizações) é perfeitamente compatível com o número de investigações atualmente em curso no país.
As 410 mil escutas anteriormente cogitadas, ao contrário, além de absurdas, haviam sido contestadas na própria CPI, quando parlamentares, depoentes e a mídia ponderaram se tal número poderia refletir a quantidade de escutas realizadas até 2007 ou mesmo a quantidade de interlocutores monitorados em ocasiões diversas, já que as operadoras de telefonia não informaram em que base tal número estava respaldado. Vê-se agora, claramente, que a conta jamais alcançará os três dígitos em relação ao ano de 2008. E, obviamente, não chegou à casa dos 400 mil no ano de 2007.
A iniciativa do corregedor nacional de Justiça, ministro Gilson Dipp, de divulgar os números apurados pelo CNJ nas varas criminais de todo o país é louvável, pois põe fim à dúvida e confirma que a Constituição Federal está sendo respeitada.
Com efeito, era inconcebível pensar que as interceptações de comunicações telefônicas, medida invasiva que excepciona direito fundamental, seriam tratadas de maneira leviana por juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores ou pelo Conselho Nacional de Justiça. Cumpre, agora, iniciar-se um trabalho meticuloso de investigação a respeito das escutas ilegais, que são aquelas realizadas sem autorização judicial.
É preciso que as operadoras de telefonia colaborem mais para que se consiga chegar a uma conclusão acerca desse tema. Igualmente é preciso ter uma fiscalização mais efetiva por parte dos órgãos federais. Não resta dúvida de que essa é a próxima etapa a ser cumprida.
O Poder Judiciário não se intimidou com as falsas denúncias de "farra dos grampos" e, pela divulgação feita pelo CNJ, a Ajufe propõe a manutenção das investigações sobre os grampos clandestinos, a fim de que sejam punidos aqueles que são, na verdade, os responsáveis por mais uma violação dos direitos dos brasileiros.


FERNANDO CESAR BAPTISTA DE MATTOS , 34, mestre em direito público pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), juiz federal, é presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil).

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