São Paulo, quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Ah, essa ciência!

O famoso QE2, o afrouxamento monetário ("quantitative easing") nos EUA, que despejará nos próximos meses mais US$ 600 bilhões nas reservas bancárias com a compra no mercado de papéis do Tesouro (com ênfase em papéis de vencimento de menos de sete anos), vinha sendo submetido a algumas críticas internas e externas.
O problema azedou de vez com a divulgação, em 15 de novembro, de uma "Carta Aberta a Ben Bernanke", assinada por 23 analistas financeiros e economistas acadêmicos (alguns artilheiros de longo alcance, como Michael Boskin, Charles Calomiris, Niall Ferguson, Ronald McKinnon, Geoffrey Wood e, por último, mas não menos importante, John Taylor), que condena fortemente a política do Fed e, no fundo, responsabiliza o seu "chairman", Ben S. Bernanke.
Essa individualização provavelmente se deve a um famoso artigo de Bernanke (e Reinhart, V.R.), publicado em 2004, em que se sugeriu uma estratégia para conduzir a política monetária quando as taxas de juros de curto prazo estão próximas de zero. O problema, como reconheceram os próprios autores do artigo, é que o suporte empírico para tal estratégia era (e é) muito fraco.
A resposta do Fed à carta procurou diminuir a importância do desafio. Respondendo por meio de um porta-voz, afirmou que: 1º) o programa será regularmente submetido a análise à luz de novos fatos e serão feitos os ajustamentos necessários no tempo próprio; 2º) o Fed tem um mandato duplo e vai tomar as medidas monetárias cabíveis para manter baixa a taxa de inflação e, ao mesmo tempo, promover o crescimento econômico e o emprego; 3º) o programa foi adequadamente preparado e há instrumentos para suspendê-lo no tempo adequado; 4º) muito importante, o Fed não "acredita que o problema da economia seja só seu. Será necessário, para enfrentá-lo, tempo e esforço combinados de todos os interessados, inclusive do banco central, do Congresso, da administração, dos reguladores e do setor privado".
A verdade é que Bernanke e o Fed se encontram numa situação delicada. Um número crescente de seus membros (Kevin Warsh, Thomas Hoening e Jeffrey Lacker) revela, com voz cada vez mais alta, o seu desconforto com o QE2. É isso o que explica a defesa pública que lhe fez Janet Yellen ("vice-chairwoman" do Fed).
A discussão assumiu um claro viés político, com economistas bem equipados, mas de inclinação republicana, atacando o programa e outros, não menos equipados, mas de inclinação democrática, defendendo-o. Ah, essa nossa "ciência"!


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

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