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CARLOS HEITOR CONY
No meio do silêncio
RIO DE JANEIRO - Tem adulto que acredita em disco-voador, em caminho de são Tiago, em Harry Potter.
Acredita até mesmo na ignorância de
Lula sobre a lambança nacional.
Eu acredito em Papai Noel. Em
criança, quando todos insistiam para
que eu acreditasse no Bom Velhinho,
na tendência maldita que tenho para
o mal, eu não acreditava. Volta e
meia tinha dúvidas. Aos cinco anos
vi um sujeito mexendo no presépio
que o pai armara, mas era ele próprio
que dava os retoques finais, colocando o burro mais pertinho da manjedoura.
Acontece que os anos passaram e,
aos poucos, e contra a vontade, passei
a duvidar de minha descrença, à medida que aumentava a dúvida de todas as crenças -as minhas e as dos
outros. E eis que encontrei uma espécie de salvação particular: comecei a
acreditar em Papai Noel, aos poucos.
Não foi um raio que me feriu na estrada de Damasco, obrigando-me a
mudar de opinião, tal como aconteceu com são Paulo.
Foi, como disse, aos poucos. Estava
na rede, fumando um Montecristo e
olhando o céu da Lagoa. Havia estrelas no céu e um pouco de paz na Terra, não devido à paz entre os homens
de boa vontade. Era quase madrugada, as pistas desertas, todos dormindo o sono do Natal.
Foi no silêncio. Não apenas o silêncio do mundo lá fora, mas o silêncio
que nasceu dentro de mim, próximo
do vazio, do nada. Diz o Evangelho
de Lucas que Jesus nasceu no meio do
silêncio, "dum medium silentium".
Aliás, tudo de bom acontece no silêncio. Silenciosamente, descobrimos
que estamos amando, nosso choro é
mais choro quando choramos em silêncio.
Foi uma mistura de tudo isso. De
repente, sem mesmo fechar os olhos,
senti que havia alguém na varanda,
também olhando a Lagoa. Não estava vestido de vermelho, não havia renas nem neve. Nada havia no mundo, a não ser o silêncio e eu.
Quem era? Eu não pedira nada a
ninguém. Ficou ao meu lado ou eu é
que fiquei ao lado dele. Depois foi
embora -e eu também.
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