São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

No meio do silêncio

RIO DE JANEIRO - Tem adulto que acredita em disco-voador, em caminho de são Tiago, em Harry Potter. Acredita até mesmo na ignorância de Lula sobre a lambança nacional.
Eu acredito em Papai Noel. Em criança, quando todos insistiam para que eu acreditasse no Bom Velhinho, na tendência maldita que tenho para o mal, eu não acreditava. Volta e meia tinha dúvidas. Aos cinco anos vi um sujeito mexendo no presépio que o pai armara, mas era ele próprio que dava os retoques finais, colocando o burro mais pertinho da manjedoura.
Acontece que os anos passaram e, aos poucos, e contra a vontade, passei a duvidar de minha descrença, à medida que aumentava a dúvida de todas as crenças -as minhas e as dos outros. E eis que encontrei uma espécie de salvação particular: comecei a acreditar em Papai Noel, aos poucos. Não foi um raio que me feriu na estrada de Damasco, obrigando-me a mudar de opinião, tal como aconteceu com são Paulo.
Foi, como disse, aos poucos. Estava na rede, fumando um Montecristo e olhando o céu da Lagoa. Havia estrelas no céu e um pouco de paz na Terra, não devido à paz entre os homens de boa vontade. Era quase madrugada, as pistas desertas, todos dormindo o sono do Natal.
Foi no silêncio. Não apenas o silêncio do mundo lá fora, mas o silêncio que nasceu dentro de mim, próximo do vazio, do nada. Diz o Evangelho de Lucas que Jesus nasceu no meio do silêncio, "dum medium silentium". Aliás, tudo de bom acontece no silêncio. Silenciosamente, descobrimos que estamos amando, nosso choro é mais choro quando choramos em silêncio.
Foi uma mistura de tudo isso. De repente, sem mesmo fechar os olhos, senti que havia alguém na varanda, também olhando a Lagoa. Não estava vestido de vermelho, não havia renas nem neve. Nada havia no mundo, a não ser o silêncio e eu.
Quem era? Eu não pedira nada a ninguém. Ficou ao meu lado ou eu é que fiquei ao lado dele. Depois foi embora -e eu também.


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