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TENDÊNCIAS/DEBATES
Com mais religiosidade, haveria menos desvios éticos e corrupção?
SIM
Em busca da justiça social
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
A defesa da ética constitui fundamento de praticamente todas as
religiões. Assim, é de bom senso avaliar
que a religiosidade pode contribuir para
condutas mais éticas, evitando a corrupção. Mas há muita gente que, mesmo não professando nenhuma religião,
é exemplo de procedimento reto, com
muito respeito pela verdade e pelo próximo; e há também quem, embora professe alguma fé religiosa, comete ações
antiéticas e atos de corrupção.
Uma nação avança mais em direção a
um maior grau de civilidade e justiça
quanto mais seus habitantes assimilam
valores que não sejam simplesmente a
busca do interesse próprio, a vontade de
levar vantagem em tudo, mesmo que
em detrimento do próximo. É natural
que as pessoas desejem progredir, mas
não haverá progresso sem levar em consideração outros valores próprios da
humanidade, como a busca da ética, da
verdade, da eqüidade, da fraternidade,
da solidariedade, da liberdade, da dignidade, da democracia. São valores que
também encontramos nas religiões.
A palavra hebraica mais citada no Antigo Testamento, na Bíblia, é "Tzedaka",
que significa "justiça social", ensina o
rabino Henry Sobel. São 513 citações.
Assim, por exemplo, no "Deuteronômio" (16: 20): "Segue a justiça, e só a justiça, para que vivas e possuas a terra que
o Senhor teu Deus te dá"; nos "Provérbios" (21: 3): "Faz justiça e com retidão;
isso é mais aceitável ao Senhor do que
oferecer sacrifício"; em "Isaias" (56: 1):
"Diz o Senhor: mantém o juízo e faz justiça, pois a minha salvação está prestes a vir e a minha retidão a manifestar-se".
O conceito de justiça é um dos pilares
das religiões que têm a finalidade não só
de dar uma visão espiritual do mundo,
um contato com um ser superior ou alívio ao sofrimento, mas também indicar
um comportamento social, disciplinando as relações humanas com temperança e sabedoria. O texto bíblico, que
orienta em boa parte a moral da civilização ocidental, contém diversas coleções
de princípios sobre a convivência e a estrutura de uma economia e uma política
que possam atender melhor a todos.
No Novo Testamento encontramos os
mesmos princípios, como nas parábolas de Jesus ao pregar a justiça divina.
Como na do senhor da vinha que contratou diversos trabalhadores e combinou o pagamento com cada um deles.
No final do trabalho, começou a pagar
pelo último que havia chegado. O que
chegara primeiro perguntou: "Como
paga a mim o mesmo que a ele, se eu
trabalhei mais?". "Ora", respondeu o senhor, "você não vê que estou lhe pagando o que ambos combinamos como justo e que o último que aqui chegou também tem o direito de receber o necessário para o sustento de sua família?"
Outra defesa da justiça social está na
"Segunda Epístola" de são Paulo aos
Coríntios, quando lhes recomenda que
sigam o exemplo de Jesus, que, sendo
tão poderoso, resolveu se solidarizar e
viver entre os mais pobres, pregando
justiça e igualdade: "Aquele que colheu
muito não deve ter demais, e aquele que
colheu pouco não deve ter de menos".
Os mesmos princípios podem ser encontrados no islamismo. Omar, o segundo dos quatro califas sucessores de
Maomé, disse a todos que têm um grande patrimônio que reservem uma parte
para os que têm pouco ou mesmo nada
têm. Também no budismo, de acordo
com o argumento do dalai-lama em
"Uma Ética para o Novo Milênio", o
consumo suntuoso dos mais ricos só é
admissível se a sobrevivência de toda a
humanidade estiver assegurada.
Como reflexo desses valores é que a
Constituição brasileira expressa que a
administração pública obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, considerando os direitos humanos e a cidadania.
Para que tais princípios possam ser
cumpridos são necessárias reformas
que envolvam sistemas de inspeção e
punição para prevenir a corrupção,
além de evitar conferir poderes discricionários a funcionários que possam
conceder favores a terceiros.
Conforme ressalta Amartya Sen em
"Desenvolvimento como Liberdade", o
modo como as pessoas agem depende
freqüentemente de como elas vêem e
percebem o comportamento dos outros, especialmente dos que estão nos
postos de maior responsabilidade. Ele
relembra os ensinamentos de Hui-nan
Tzu, em 122 a.C., na antiga China:
"Se a linha medidora da guia mestra
estiver certa, o corte da madeira será reto; não porque se faz algum esforço especial, mas porque aquilo que a "dirige"
faz com que assim seja. Da mesma maneira, se o dirigente for sincero e íntegro, funcionários honestos servirão em
seu governo e os velhacos se esconderão, mas, se o dirigente não for íntegro,
os perversos farão como querem, e os
homens leais se afastarão".
Eduardo Matarazzo Suplicy, 64, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), professor da Eaesp-FGV, é senador da República pelo PT-SP.
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