São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2008 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O presente dos nossos sonhos
MILÚ VILLELA
AS IMAGENS de milhares de pessoas tomando as ruas do comércio popular de São Paulo e das grandes cidades brasileiras em busca de presentes de Natal, mesmo com a crise batendo à nossa porta, revelam que há ainda um enorme estoque reprimido de sonhos de consumo na sociedade brasileira. Nada mais saudável. Os ganhos dos últimos anos em emprego e renda, ainda que momentaneamente ameaçados pelos tempos bicudos que se avizinham, apontaram para um novo patamar de realização material que o brasileiro deseja perpetuar. Entretanto, se quisermos continuar assistindo no futuro a cenas de prosperidade e confiança como essas, não podemos deixar de debater e realizar as reformas estruturais que o país pleiteia há décadas. Entre os pontos fundamentais que merecem atenção imediata está, sem dúvida alguma, o desafio da educação. Se a economia brasileira reúne hoje os fundamentos necessários para retomar os bons ventos logo depois de passada a atual tormenta global, como apontam os especialistas, o mesmo não se pode dizer do ensino adotado nas escolas públicas do país. No campo da formação de nossas crianças e jovens, continuamos exibindo indicadores incompatíveis com o desenvolvimento. Estudo realizado pelo Todos Pela Educação, movimento da sociedade civil que luta pela melhoria da qualidade de ensino no país, revela que apenas 1 em cada 4 estudantes da terceira série do ensino médio tem os conhecimentos de língua portuguesa exigidos para esse estágio da vida escolar. Entre os estudantes da oitava série, o índice é de 1 para cada 5. O baixo aproveitamento se repete no ensino da matemática. Só 1 em cada 4 estudantes da quarta série tem conhecimento da matéria compatível com o esperado para essa fase dos estudos. Na oitava série, o índice é de menos que 1 para cada 10 estudantes. O Brasil tem hoje 47 milhões de crianças e jovens em idade escolar. Destes, apenas 44,9% conseguem concluir o estudo médio até os 19 anos. Para ter uma idéia do atraso em que estamos mergulhados, basta ter em mente que 80% dos jovens de 19 a 24 anos dos países desenvolvidos cursam hoje uma universidade. Ou seja, enquanto o Primeiro Mundo já discute a universalização do ensino superior, nós ainda estamos longe de conseguir que sequer a metade dos nossos jovens conclua a formação média. Embora tenha havido avanço nos governos Fernando Henrique e Lula, para onde quer que se olhe os indicadores são ruins. A formação é fraca, a evasão escolar é alta, as condições de ensino são precárias. Tudo isso nos leva inevitavelmente à pergunta central: temos de fato condições de disputar espaço de destaque num mundo em que o conhecimento é a chave para o desempenho econômico? Mais do que nunca, é fundamental que governo, políticos e a sociedade civil examinem a fundo a questão e deflagrem ações concretas para desfazer os nós que impedem o avanço do ensino formal no país. A melhoria da qualificação, dos salários e das condições de trabalho de professores, a revisão do conteúdo oferecido em salas de aula e a estruturação de sistemas de controle e avaliação mais acurados para acompanhamento da evolução dos alunos compõem a extensa agenda a ser enfrentada não só em 2009 mas também nos anos seguintes. Tudo isso não se materializará, como se sabe, sem que haja um fluxo consistente de investimentos para o setor e boa gestão dos recursos. Hoje, apenas 3,7% do PIB é destinado à educação. Se quisermos construir uma trajetória de melhoria consistente, o índice deveria alcançar o patamar de 5% até 2010, independentemente das condições econômicas do país. Quando estivermos nos confraternizando com familiares e amigos, quando estivermos celebrando os avanços sociais alcançados em 2008 e nos anos anteriores, é bom que todos façamos uma pausa para refletir sobre os caminhos que temos que percorrer para consolidar as conquistas insinuadas até aqui. A educação é o passaporte para ingressarmos definitivamente no mundo do bem-estar social. Sem ela, não há consumo, investimento e expansão econômica que se sustente ao longo do tempo. Educação de qualidade é o presente de Natal que ainda não ganhamos e com o qual não podemos deixar de sonhar. MILÚ VILLELA , 62, é presidente do Faça Parte - Instituto Brasil Voluntário, embaixadora da Boa Vontade da Unesco e membro fundador do Todos pela Educação, além de presidente do MAM e do Instituto Itaú Cultural. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Aldo Pereira: Cultura da crueldade Índice |
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