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CARLOS HEITOR CONY
Agulhas e bolas de gude
RIO DE JANEIRO - Julinho era filho de dona Nair, que se fazia passar
por viúva do dr. Botelho, mas na
realidade era apenas separada do
marido que vivia com uma tal Moerís, mulata para 300 talheres, que
chegara a desfilar quase nua num
Carnaval do passado, musa absoluta dos Tenentes do Diabo.
Deu-se que Julinho engoliu uma
bola de gude e o caso foi parar nos
jornais. Nada que se compare ao garoto que recentemente engoliu
agulhas e virou "casus belli", o Departamento de Estado norte-americano pedindo explicações ao nosso chanceler Celso Amorim. O caso
ainda vai chegar ao papa, ao Dalai
Lama, ao patriarca de Antióquia.
Bem verdade que no memorável
dia em que Julinho engoliu a bola
de gude a imprensa era diferente,
não mobilizava as gentes e muitos
menos as autoridades do mundo.
Tudo ficava num pequeno registro
subordinado ao título "Coisas da
cidade".
Por isso mesmo, a cobertura dada
ao Julinho foi modesta, mesmo assim, despertou inveja entre os garotos da rua Cabuçu e adjacências do
Lins de Vasconcelos.
Murilo, um guri que já tinha visto
um lobisomem, tentou comer uma
bola de gude para ver se causava a
mesma emoção, mas parece que
não comeu bola alguma, ficou na
palavra dele, muitos acreditaram,
mas a maioria atribuiu a bola de gude ao mesmo fenômeno da aparição
do lobisomem.
Confesso que tentei comer a minha bolinha de gude. Mas tinha, como tenho até hoje, séria dificuldade
para engolir comprimidos, prefiro
dissolvê-los em água. De qualquer
forma, e voltando ao Julinho, ele foi
o meu primeiro herói e a minha primeira inveja neste mundo cheio de
bolas. Foi também o primeiro cara
que para sair nos jornais é capaz de
engolir a mãe ao molho pardo, sendo a bola de gude mais digestiva.
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