São Paulo, quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

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CARLOS HEITOR CONY

Agulhas e bolas de gude

RIO DE JANEIRO - Julinho era filho de dona Nair, que se fazia passar por viúva do dr. Botelho, mas na realidade era apenas separada do marido que vivia com uma tal Moerís, mulata para 300 talheres, que chegara a desfilar quase nua num Carnaval do passado, musa absoluta dos Tenentes do Diabo.
Deu-se que Julinho engoliu uma bola de gude e o caso foi parar nos jornais. Nada que se compare ao garoto que recentemente engoliu agulhas e virou "casus belli", o Departamento de Estado norte-americano pedindo explicações ao nosso chanceler Celso Amorim. O caso ainda vai chegar ao papa, ao Dalai Lama, ao patriarca de Antióquia.
Bem verdade que no memorável dia em que Julinho engoliu a bola de gude a imprensa era diferente, não mobilizava as gentes e muitos menos as autoridades do mundo. Tudo ficava num pequeno registro subordinado ao título "Coisas da cidade".
Por isso mesmo, a cobertura dada ao Julinho foi modesta, mesmo assim, despertou inveja entre os garotos da rua Cabuçu e adjacências do Lins de Vasconcelos.
Murilo, um guri que já tinha visto um lobisomem, tentou comer uma bola de gude para ver se causava a mesma emoção, mas parece que não comeu bola alguma, ficou na palavra dele, muitos acreditaram, mas a maioria atribuiu a bola de gude ao mesmo fenômeno da aparição do lobisomem.
Confesso que tentei comer a minha bolinha de gude. Mas tinha, como tenho até hoje, séria dificuldade para engolir comprimidos, prefiro dissolvê-los em água. De qualquer forma, e voltando ao Julinho, ele foi o meu primeiro herói e a minha primeira inveja neste mundo cheio de bolas. Foi também o primeiro cara que para sair nos jornais é capaz de engolir a mãe ao molho pardo, sendo a bola de gude mais digestiva.


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