São Paulo, sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

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RUY CASTRO

3 dias em 1001

RIO DE JANEIRO - Um editor americano queria soltar nos EUA meu livro "Carmen - Uma Biografia", sobre Carmen Miranda. Só havia um porém: com suas 600 páginas, era grandinho demais para eles. Que tal se, antes de o traduzirem para o inglês, eu próprio o reduzisse à metade? De preferência cortando a parte brasileira da história e começando-a pela chegada de Carmen a Nova York em 1939.
Respondi que não, que o inédito e fascinante era a vida de Carmen no Rio, nas décadas de 20 e 30. Ele agradeceu e sumiu. Convenci-me de que, para o provincianismo americano, as coisas só existem quando eles participam delas. Um livro recém-lançado aqui, "1001 Dias que Abalaram o Mundo", do americano Peter Furtado, cobrindo do Big Bang a 2009, confirma isso.
Os Beatles, por exemplo, só "abalaram o mundo" quando apareceram na TV americana, em 1964. Não importa que, em 1963, o mundo já fosse louco por eles. Em compensação, a estreia de Bob Dylan numa birosca do Village, em 1961, é um dos "1001 dias". Já as estreias de Schubert, Chopin, Liszt, Verdi, Brahms, Tchaikovsky, Debussy e Ravel não devem ter feito nem cócegas, porque não constam do livro.
Os EUA são protagonistas em 149 dos "1001 dias". A Inglaterra, com 1.500 anos de história a mais do que eles, estrelou em apenas 135 -um deles, o do sumiço de Glenn Miller na Mancha, em 1944. A França, tão velha quanto, emplacou 99 citações. E a Itália, embora Roma tenha sido fundada em 753 a.C., reles 82.
Para o autor, o Brasil só abalou o mundo três vezes: a 22 de abril de 1500, quando foi descoberto; 10 de maio de 1624, quando a Bahia se tornou um porto de escravos (sabia?); e 1º de dezembro de 1822, quando dom Pedro 1º foi coroado imperador. O homem está certo: nossa autoestima zero nos impede até de adaptar o livro para o leitor brasileiro e, assim, disfarçar a nossa desimportância.


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