São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

Inflação e eleição

Dois economistas do Banco Interamericano de Desenvolvimento fizeram um estudo detalhado dos resultados de 66 eleições presidenciais e 81 eleições legislativas em países latino-americanos de 1985 a 2003. Foi o período em que os governos deram grande ênfase "retórica" às reformas sugeridas pelo Consenso de Washington (sem tê-las realizado). Ao longo dessa vintena de anos, o Consenso foi se dissolvendo até aceitar a qualificação mais recente de "entulho neoliberal"... (Eduardo Lora e Maurício Oliveira, "As conseqüências eleitorais do Consenso de Washington", in "Economia", vol. 5, nº 2, Spring 2005).
A grande verdade é que nenhum dos países latino-americanos (com a possível exceção do Chile) aplicou o receituário do Consenso, a começar pelas diversas brincadeiras que fizeram com a taxa cambial e com os duvidosos expedientes fiscais que nunca produziram o equilíbrio duradouro das contas públicas, dos quais o Brasil é um exemplo. Misteriosamente, do Consenso, os países apressaram-se a aplicar apenas a recomendação de "privatizar o setor público", o que, certamente, aumentou a produtividade dos setores privatizados. Em todos os países, entretanto, as privatizações envolveram tenebrosas transações, a ponto de serem chamadas de "privatarias" e desmoralizaram os seus executores.
Esse pequeno "suelto" destina-se a divulgar as conclusões daquele excelente artigo para ampliar o debate a respeito do assunto. Quais são elas?
1ª) Que o suporte eleitoral para o presidente incumbente é tanto maior quanto melhores forem os resultados econômicos agregados de sua administração. Nas eleições presidenciais, o presidente é mais beneficiado pela redução da inflação do que qualquer outro resultado. Nas eleições legislativas, parece (mas o resultado não é estatisticamente robusto) que o fato mais importante é a taxa de crescimento;
2ª) A sensibilidade do suporte eleitoral dos resultados econômicos depende das características institucionais do regime político e do sistema partidário. A redução da inflação continua a ser o fator mais importante para a vitória do incumbente, principalmente quando há uma forte polarização;
3ª) O suporte eleitoral do incumbente depende da política econômica adotada, uma vez que essas políticas implicam em custo eleitoral mesmo quando produzem bons resultados econômicos agregados, mas 4ª) a tolerância do eleitorado com políticas impopulares depende da ideologia revelada do incumbente e do estado da economia.
Logo, se o mundo continuar o mesmo, se a inferência estatística for correta e se o governo permitir ao Brasil crescer entre 4,5% e 5% com inflação menor do que 5%, Lula terá alguma vantagem eleitoral. A esta se somará o fato de ser beneficiário do indecente processo de reeleição sem desincompatibilização inventado por FHC. Nos países sem controle social, como o Brasil, ele desequilibra o processo eleitoral a favor do incumbente.
Mas não se alegrem prematuramente, gregos e troianos! Ainda vale a primeira lei de Tancredo: "Quanto maior e mais sangrenta a polarização, tanto mais vantagem tem quem corre por fora"...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br


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