São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Congresso penaliza ciência e tecnologia

MARCO ANTÔNIO RAUPP e ALAOR CHAVES


Se o Brasil quer manter as esperanças de se tornar mais inovador e competitivo, é imperativo que se reveja o orçamento para C&T


AO FORMULAR o Orçamento da União para o ano de 2009, o Congresso Nacional penalizou com especial severidade a área de ciência e tecnologia (C&T). O orçamento do ministério da área (MCT) sofreu corte de R$ 1,12 bilhão, equivalente a 52% do proposto pelo Executivo. A Capes, órgão do Ministério da Educação que cuida da avaliação e do fomento de nossos cursos de pós-graduação -responsável pela maior parte das bolsas desse nível no país-, sofreu cortes próximos de R$ 1 bilhão, quase metade do previsto.
O CNPq concede bolsas de estímulo à pesquisa, em procedimento extremamente seletivo, a pesquisadores doutores de universidades e institutos de pesquisa. O MCT reconheceu ser urgente ampliar tal programa e para ele previu R$ 195 milhões no orçamento de 2009. O Congresso reduziu a verba em R$ 45 milhões. Tais cortes são de extrema gravidade e terão consequências negativas para a vida do país nos campos da educação e da C&T e no desenvolvimento tecnológico dos setores industriais de maior valor agregado. Desde os anos 1960, o Brasil tem praticado um programa de pós-graduação muito bem articulado e bem-sucedido. Nossa pós-graduação é das que mais avançam em todo o mundo.
Em 1987, o Brasil formou 868 doutores. Em 2008, o número ficou perto de 13 mil. Os novos doutores possibilitaram uma rápida expansão de nossa ciência: se em 1981 o Brasil só contribuía com 0,4% dos artigos científicos publicados em todo o mundo, em 2006 nossa participação foi de 1,9%. A utilização dos quadros mais qualificados para a expansão de nossa C&T foi fomentada, em nível federal, pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgãos do MCT.
Nosso progresso no campo da pós-graduação e da C&T tem sido fruto de políticas de Estado que há décadas transcendem os governos e têm sido praticadas com consistência e visão de longo prazo. Uma expansão rápida nesse campo foi reconhecida como essencial para o avanço do país, pois tínhamos partido, na década de 1950, de um patamar muito incipiente.
Apesar do grande progresso, a situação ainda requer muita atenção. Enquanto nos países desenvolvidos todos os docentes universitários têm o grau de doutor, em nossas universidades públicas os docentes com essa titulação não passam de 30% do total, e nas universidades privadas esse número é muito menor.
No momento, nossas instituições federais de ensino superior passam por uma reestruturação e expansão em que o número de vagas para o ensino será duplicado, e uma das dificuldades para que tal expansão se faça sem perda de qualidade é o pequeno número de pessoas qualificadas para ocupar as novas vagas de docência.
A enorme deficiência brasileira de profissionais capazes de realizar pesquisa e desenvolvimento (P&D), intimamente relacionada com o pequeno envolvimento de nosso setor empresarial em pesquisa e inovação, faz com que nossas empresas, sobretudo no setor industrial, sejam pouco inovadoras, o que as torna pouco competitivas no comércio globalizado.
O Brasil despende só 1,1% do seu PIB em P&D, enquanto os países inovadores e competitivos investem quantias que vão de 2% a 3,5% do seu PIB. Essa realidade levou o governo a formular, em 2004, uma política industrial, tecnológica e de comércio exterior para o país. Até o final da sua gestão, o governo Lula almeja elevar os dispêndios nacionais em P&D para 1,5% do PIB. O Orçamento de 2009 previa uma dotação de R$ 1,36 bilhão para a política industrial, mas o Congresso reduziu tal cifra em 68%. Nos países onde melhor se compreende o mundo contemporâneo, ante a atual crise econômica, decidiu-se aumentar os dispêndios em ciência, tecnologia e inovação (CT&I).
Já nossos congressistas julgaram por bem cortar fundo nesse item. Para eles, CT&I é custeio, não investimento. Jovialmente, declararam que seriam minimizados os cortes em investimento, o que revela o equívoco de políticos que decidem o destino do país sobre o que é custeio e o que é investimento. O Orçamento aprovado pelo Congresso prevê um paliativo altamente sujeito a incertezas: o Executivo poderá usar recursos possivelmente obtidos com a venda de imóveis da extinta Rede Ferroviária Federal para repor o orçamento para C&T. Uma luz no fim do túnel que não irá gerar recursos no curto prazo.
É imperativo que se reveja o orçamento para C&T se o Brasil quer manter as esperanças de se tornar em breve mais inovador e competitivo.


MARCO ANTÔNIO RAUPP, 70, matemático, coordenador do Núcleo do Parque Tecnológico de São José dos Campos (SP), é presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Foi diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Laboratório Nacional de Computação Científica.

ALAOR CHAVES, 66, físico, professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), é presidente da Sociedade Brasileira de Física.


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