São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES


Juros altos, crime contra o trabalhador

PAULO MALUF


Os juros brasileiros são pornográficos, incompatíveis com um crescimento sustentado de médio e longo prazo


O ANO de 2010 começa sob a perspectiva de superação da crise econômica mundial. O pior parece ter passado. Ficaram lições importantes. Medidas como maior supervisão sobre os mercados financeiros mostraram-se necessárias para evitar crises futuras, devendo ser adotadas pelos principais bancos centrais do mundo. Mesmo paradigmas como a não intervenção do Estado na economia foram superados, mostrando-se imprescindível quando a crise atingiu seus momentos mais delicados.
Nesse ano, projeta-se para o Brasil um crescimento substancial da ordem de 5% a 6%. Com a perspectiva do aquecimento econômico, volta o terrorismo do fantasma da inflação, e alguns analistas funcionários de bancos retomam a velha cantilena do controle inflacionário mediante a elevação da taxa Selic -como se ela já não fosse suficientemente alta: é seguramente uma das mais altas taxas de juros do mundo e certamente a mais alta entre as grandes economias.
O Banco Central mantém a Selic em 8,75%. Em contrapartida, países com economias emergentes como México, Índia e China praticam taxas médias trimestrais de 4,5%, 3,67% e 1,83% ao ano, respectivamente, e alguns países desenvolvidos exercem taxas ainda menores, como EUA (0,18%), Canadá, (0,18%), Reino Unido (0,66%) e Japão (0,33%). Fonte: "The Economist", 9-15 de janeiro de 2010. E repito: essa taxa é anual.
Assim, torna-se impossível aceitar qualquer argumentação que não passe pela sua redução para patamares compatíveis com o dos demais países.
Há 25 anos o PIB da China era menor que o do Brasil. Sua política econômica foi de juros baixos e de moeda desvalorizada. Com isso, investiu-se maciçamente em infraestrutura, na industrialização e na geração de empregos pela exportação. O resultado aí está: a China está a caminho de ser a segunda nação econômica do mundo e com mais de US$ 2 trilhões de reserva, financiando o deficit americano. O Brasil, ao contrário, manteve política de juros altos e moeda valorizada: o resultado foi a perda de oportunidade histórica.
Um dos efeitos dos altos juros brasileiros é o significativo fluxo de capitais que ingressam no país via especulativa, atraídos por uma remuneração que alcança patamares da ordem de 2% ao mês. O câmbio sobrevalorizado torna gravosa parte da exportação brasileira e incrementa as importações, em detrimento da produção interna. Prejudica a geração de emprego no Brasil. Há multinacionais instaladas no Brasil que já estão exportando pelas matrizes estrangeiras.
A inflação só será debelada de forma definitiva quando reformas estruturais forem implantadas, pois os gastos governamentais, no caso brasileiro, têm papel relevante na composição da demanda. O desequilíbrio das contas gera pressão inflacionária. O governo gasta muito e mal. Pior, remunera excessivamente o capital especulativo e pune o produtivo. Gastos de custeio crescem desordenadamente, sem que consigamos fazer investimentos necessários para sustentar crescimento de médio e longo prazo.
Nesse particular, o Brasil carrega problemas estruturais graves, com um Estado superdimensionado, que mal cabe no PIB. Ineficiente na determinação de prioridades e na execução dos gastos. A dificuldade da execução orçamentária do PAC comprova a lentidão do governo. O Estado indutor de crescimento tem se demonstrado parcialmente ineficaz. Refém da burocracia, não consegue fazer frente às reais necessidades da nação.
Ao concentrar boa parte do PIB nas mãos do governo e dos bancos, importantes investimentos privados não são realizados em tempo. Um exemplo interessante é que, mesmo tendo sob seu controle instituições fortes e competentes como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, o governo não consegue fazer com que os juros praticados internamente sejam semelhantes aos praticados pelos demais países.
Os juros brasileiros são pornográficos, incompatíveis com um crescimento sustentado de médio e longo prazo. Nesse particular, tanto a política fiscal quanto a monetária corroboram a impressão de que no Brasil é pecado crescer e ter lucro.
As nações desenvolvidas assentaram seu crescimento nas mãos dos verdadeiros empreendedores, que, com seu espírito animal, geraram desenvolvimento e empregos. O emprego é o Bolsa Família com dignidade.
O futuro da nação passa por uma política monetária responsável, sem a história de combater a alta dos preços via diminuição da demanda, mas com aumento da produção. Não podemos jogar fora todo o esforço feito até agora. Temos que consolidar o Brasil como grande nação perante o mundo, colocando o pé no acelerador, "sem medo de ser feliz".


PAULO MALUF, 78, engenheiro, é deputado federal pelo PP-SP. Foi governador de São Paulo (1979-1982) e prefeito da cidade de São Paulo (1969-1971, 1993-1996).

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