São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Somos vítimas, e não réus

JOÃO ANTÔNIO FELICIO

No último dia 20, o governo apresentou sete propostas para a correção, determinada pela Justiça, dos saldos originais das contas no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) que sofreram os expurgos praticados pelos planos Verão e Collor 1.
São elas: o aumento da contribuição do empregador ao FGTS; o comprometimento de recursos do Sistema S (Senai, Senac, Sesi, Sesc, Senar e Senat); o desvio da contribuição em nome do trabalhador na conta do FGTS; a transferência da multa rescisória do trabalhador para o fundo; o desvio de recursos da habitação e saneamento; a elevação das taxas dos novos empréstimos; e, por último, a redução dos juros sobre as contas do FGTS.
São propostas que lançam o ônus financeiro do pagamento da correção do FGTS exclusivamente para os trabalhadores e para os setores empresariais.
O governo está tentando transformar as vítimas do expurgo praticado pelo Estado em réus, aplicando sobre os direitos dos trabalhadores novos expurgos que podem alcançar até R$ 75 bilhões, de 2001 a 2007 (somando a multa rescisória, a redução dos juros aplicados sobre as contas do FGTS e a redução da contribuição do FGTS em nome do trabalhador nas propostas do Executivo).
O governo pretende confiscar recursos dos trabalhadores que são usados exatamente no momento mais difícil do trabalhador e de sua família, pois o drama do desemprego atinge, em todo o país, mais de 7,5 milhões de trabalhadores. Trata-se de uma violência que não encontra similar na história recente de desvios indevidos -e até inconstitucionais- de recursos dos trabalhadores para saldar as dívidas do Estado.
Os empresários, por sua vez, entrariam com até R$ 32,5 bilhões, no mesmo período, fruto do aumento da contribuição do empregador ao FGTS -dos atuais 8% para 9%- e da transferência de 50% da arrecadação do Sistema S. O aumento indiscriminado de impostos para empresas -a CUT é contra- pode inibir os investimentos produtivos e sacrificar as micro, pequenas e médias empresas, responsáveis por mais de 60% dos empregos no país.
O confisco de recursos do Sistema S resultará na redução do número de trabalhadores encaminhados ao treinamento profissional. O que defendemos é a gestão pública, a transparência na alocação dos recursos e a discussão, com os atores organizados da sociedade, especialmente sindicatos, de sua metodologia e de seus programas de qualificação profissional.
Mas a perversidade não para aí. O governo propôs, ainda, uma redução mínima de R$ 16,9 bilhões nos recursos para habitação e saneamento, de 2001 a 2007. Esse corte equivale a deixar de construir, ao longo do período, 845 mil casas populares, agravando o déficit habitacional, que supera 5 milhões de moradias. Ao mesmo tempo, com tal corte de recursos da habitação popular, o governo deixará de gerar 1,67 milhão de novos empregos.


Só com pressão social faremos o governo sair de sua posição de recusar a responsabilidade na correção do FGTS
Não haverá solução negociada se o governo continuar a ignorar a responsabilidade da União em arcar com os custos da correção do FGTS, definida por lei e confirmada por sentença judicial. É preciso encerrar um ciclo na história da República, que vem desde o período do regime militar, de promoção sistemática de desvios e de suspensão infinita de pagamento de dívidas da União para os fundos públicos, tal como o FGTS.
No final do ano passado, o governo federal acumulou com o FGTS uma dívida superior a R$ 35 bilhões. Está pagando metade dos juros e amortizações dessa dívida. Por que se sucedem os desmandos e expurgos do patrimônio do FGTS? Porque o FGTS, anunciado como privado pelo Executivo federal, é público e controlado pelo governo, o qual detém mais de 50% dos votos de seu Conselho Curador.
O sistema financeiro, único setor econômico que se beneficiou com os expurgos dos planos Verão e Collor 1, foi mais uma vez excluído das propostas governamentais para pagar parte da imensa dívida social acumulada em décadas passadas.
É inadmissível, imoral e antiética essa postura do governo. Nunca vimos um assalto de tal porte por parte do aparelho de Estado. O movimento sindical não ficará de braços cruzados enquanto o governo reafirma que não quer botar a mão no bolso para saldar uma dívida que tem com mais de 50 milhões de brasileiros. Chega de o devedor pedir dinheiro ao credor para pagar a própria dívida. Não sairá nenhum tostão do bolso do trabalhador para pagar a dívida do governo com o próprio trabalhador. Somos vítimas, e não réus.
O governo deveria ter a mesma agilidade em honrar as suas dívidas com os trabalhadores que a demonstrada quando socorreu banqueiros falidos. Nesse caso (o Proer), tratou-se de tapar rombos privados e duvidosos com recursos públicos. Ou ainda quando apropria-se de 20% do Orçamento da União (superior a R$ 32 bilhões) para pagar juros da dívida interna e externa, mecanismo conhecido como DRU (Desvinculação de Receitas da União).
Temos certeza de que só com pressão social faremos o governo federal sair de sua cômoda posição de recusar a própria responsabilidade. Por isso a CUT defenderá, em reunião com as demais centrais sindicais, a construção de um dia nacional de paralisação e mobilização para breve e a construção unitária de propostas do movimento sindical para viabilizar o pagamento da correção das contas no FGTS dos trabalhadores!


João Antônio Felicio, 50, professor, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Foi presidente da Apeoesp (Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo).



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