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TENDÊNCIAS/DEBATES
Somos vítimas, e não réus
JOÃO ANTÔNIO FELICIO
No último dia 20, o governo apresentou sete propostas para a correção, determinada pela Justiça, dos saldos originais das contas no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)
que sofreram os expurgos praticados
pelos planos Verão e Collor 1.
São elas: o aumento da contribuição
do empregador ao FGTS; o comprometimento de recursos do Sistema S (Senai, Senac, Sesi, Sesc, Senar e Senat); o
desvio da contribuição em nome do trabalhador na conta do FGTS; a transferência da multa rescisória do trabalhador para o fundo; o desvio de recursos
da habitação e saneamento; a elevação
das taxas dos novos empréstimos; e, por
último, a redução dos juros sobre as
contas do FGTS.
São propostas que lançam o ônus financeiro do pagamento da correção do
FGTS exclusivamente para os trabalhadores e para os setores empresariais.
O governo está tentando transformar
as vítimas do expurgo praticado pelo
Estado em réus, aplicando sobre os direitos dos trabalhadores novos expurgos que podem alcançar até R$ 75 bilhões, de 2001 a 2007 (somando a multa
rescisória, a redução dos juros aplicados
sobre as contas do FGTS e a redução da
contribuição do FGTS em nome do trabalhador nas propostas do Executivo).
O governo pretende confiscar recursos dos trabalhadores que são usados
exatamente no momento mais difícil do
trabalhador e de sua família, pois o drama do desemprego atinge, em todo o
país, mais de 7,5 milhões de trabalhadores. Trata-se de uma violência que não
encontra similar na história recente de
desvios indevidos -e até inconstitucionais- de recursos dos trabalhadores
para saldar as dívidas do Estado.
Os empresários, por sua vez, entrariam com até R$ 32,5 bilhões, no mesmo período, fruto do aumento da contribuição do empregador ao FGTS
-dos atuais 8% para 9%- e da transferência de 50% da arrecadação do Sistema S. O aumento indiscriminado de
impostos para empresas -a CUT é
contra- pode inibir os investimentos
produtivos e sacrificar as micro, pequenas e médias empresas, responsáveis
por mais de 60% dos empregos no país.
O confisco de recursos do Sistema S
resultará na redução do número de trabalhadores encaminhados ao treinamento profissional. O que defendemos
é a gestão pública, a transparência na
alocação dos recursos e a discussão,
com os atores organizados da sociedade, especialmente sindicatos, de sua
metodologia e de seus programas de
qualificação profissional.
Mas a perversidade não para aí. O governo propôs, ainda, uma redução mínima de R$ 16,9 bilhões nos recursos
para habitação e saneamento, de 2001 a
2007. Esse corte equivale a deixar de
construir, ao longo do período, 845 mil
casas populares, agravando o déficit habitacional, que supera 5 milhões de moradias. Ao mesmo tempo, com tal corte
de recursos da habitação popular, o governo deixará de gerar 1,67 milhão de
novos empregos.
Só com pressão social
faremos o governo sair
de sua posição de recusar
a responsabilidade
na correção do FGTS
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Não haverá solução negociada se o governo continuar a ignorar a responsabilidade da União em arcar com os custos
da correção do FGTS, definida por lei e
confirmada por sentença judicial. É preciso encerrar um ciclo na história da República, que vem desde o período do regime militar, de promoção sistemática
de desvios e de suspensão infinita de pagamento de dívidas da União para os
fundos públicos, tal como o FGTS.
No final do ano passado, o governo federal acumulou com o FGTS uma dívida superior a R$ 35 bilhões. Está pagando metade dos juros e amortizações
dessa dívida. Por que se sucedem os
desmandos e expurgos do patrimônio
do FGTS? Porque o FGTS, anunciado
como privado pelo Executivo federal, é
público e controlado pelo governo, o
qual detém mais de 50% dos votos de
seu Conselho Curador.
O sistema financeiro, único setor econômico que se beneficiou com os expurgos dos planos Verão e Collor 1, foi
mais uma vez excluído das propostas
governamentais para pagar parte da
imensa dívida social acumulada em décadas passadas.
É inadmissível, imoral e antiética essa
postura do governo. Nunca vimos um
assalto de tal porte por parte do aparelho de Estado. O movimento sindical
não ficará de braços cruzados enquanto
o governo reafirma que não quer botar
a mão no bolso para saldar uma dívida
que tem com mais de 50 milhões de brasileiros. Chega de o devedor pedir dinheiro ao credor para pagar a própria
dívida. Não sairá nenhum tostão do bolso do trabalhador para pagar a dívida
do governo com o próprio trabalhador.
Somos vítimas, e não réus.
O governo deveria ter a mesma agilidade em honrar as suas dívidas com os
trabalhadores que a demonstrada
quando socorreu banqueiros falidos.
Nesse caso (o Proer), tratou-se de tapar
rombos privados e duvidosos com recursos públicos. Ou ainda quando
apropria-se de 20% do Orçamento da
União (superior a R$ 32 bilhões) para
pagar juros da dívida interna e externa,
mecanismo conhecido como DRU
(Desvinculação de Receitas da União).
Temos certeza de que só com pressão
social faremos o governo federal sair de
sua cômoda posição de recusar a própria responsabilidade. Por isso a CUT
defenderá, em reunião com as demais
centrais sindicais, a construção de um
dia nacional de paralisação e mobilização para breve e a construção unitária
de propostas do movimento sindical
para viabilizar o pagamento da correção
das contas no FGTS dos trabalhadores!
João Antônio Felicio, 50, professor, é presidente nacional da CUT (Central Única dos Trabalhadores). Foi presidente da Apeoesp (Associação
dos Professores do Ensino Oficial do Estado de
São Paulo).
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