São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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Palco vazio

Indefinição de Lula na escolha de assessores confere características melancólicas ao seu segundo mandato

FORAM REVOGADAS, como se diz no jargão legislativo, todas as disposições em contrário e noticia-se agora que ficou para meados de março, provavelmente, a definição da futura equipe ministerial.
O motivo, desta vez, seriam as incertezas quanto ao nome destinado a ocupar a presidência do PMDB. O cargo é objeto de disputa entre o deputado Michel Temer, candidato à reeleição, e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. O nome do vencedor haverá de conhecer-se depois da convenção nacional do partido, marcada para 11 de março.
""É preciso malhar o ferro enquanto ele ainda está frio", afirmava, invertendo a frase feita, um dos "clowns" de Samuel Beckett. A situação de paralisia retratada pelo dramaturgo irlandês em "Esperando Godot" poderia aplicar-se com exatidão ao comportamento do presidente Lula na escolha do seu ministério, não fosse por um detalhe.
A saber, o de que Godot, no caso, é ele mesmo, esperando não se sabe mais o quê. O presidente ocupa o centro do palco, eleito por expressiva maioria da população; parece entretanto incapaz de assumir o seu papel.
O texto foge-lhe da mente uma vez desligado o "teleprompter" da campanha. Ei-lo agora, com o olhar perdido nos bastidores, acompanhando o desenvolvimento das sucessivas rusgas de vaidade entre os atores secundários da comédia.
Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia já representaram, no começo do ano, os papéis de Vladimir e Estragon numa versão pouco inspirada do clássico de Beckett; argumentava-se, naquele momento, que era preciso saber quem seria o novo presidente da Câmara dos Deputados antes de nomear algum ministro.
Veio um intervalo -o Carnaval- e agora Nelson Jobim e Michel Temer serão encarregados de substituir, com floreios parnasianos e pérolas da poesia forense, a tartamudeante e esfarrapada prosa do primeiro ato.
Enquanto isso, questões cruciais quedam irresolvidas. Ministros em situação periclitante ignoram, por exemplo, em que cidade irão matricular seus filhos: para um governo que prioriza a educação, o problema deveria ser levado em conta. Já o ocupante da pasta das Cidades, Márcio Fortes, talvez tenha de reciclar-se para assumir a da Agricultura. Talvez não; quem sabe?
Lula não sabe ainda. Deve saber, entretanto, que as ações da Polícia Federal -um dos raros focos de diligência administrativa em seu primeiro mandato- tiveram seu ritmo reduzido enquanto não se sabe quem ocupará o Ministério da Justiça. A falta de novos ministros, entretanto, não deveria ser motivo para que as operações da PF entrassem em compasso de espera.
O segundo mandato de Lula mal começa, e começa mal; a rigor, não começa nunca -e, se a comparação com "Esperando Godot" não é inadequada, o título de outra peça de Beckett talvez pudesse caracterizar, num paradoxo, o clima deste início de governo: "Fim de Jogo".


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