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Palco vazio
Indefinição de Lula na escolha de assessores confere características melancólicas ao
seu segundo mandato
FORAM REVOGADAS, como se
diz no jargão legislativo,
todas as disposições em
contrário e noticia-se
agora que ficou para meados de
março, provavelmente, a definição da futura equipe ministerial.
O motivo, desta vez, seriam as
incertezas quanto ao nome destinado a ocupar a presidência do
PMDB. O cargo é objeto de disputa entre o deputado Michel
Temer, candidato à reeleição, e o
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. O
nome do vencedor haverá de conhecer-se depois da convenção
nacional do partido, marcada para 11 de março.
""É preciso malhar o ferro enquanto ele ainda está frio", afirmava, invertendo a frase feita,
um dos "clowns" de Samuel Beckett. A situação de paralisia retratada pelo dramaturgo irlandês em "Esperando Godot" poderia aplicar-se com exatidão ao
comportamento do presidente
Lula na escolha do seu ministério, não fosse por um detalhe.
A saber, o de que Godot, no caso, é ele mesmo, esperando não
se sabe mais o quê. O presidente
ocupa o centro do palco, eleito
por expressiva maioria da população; parece entretanto incapaz
de assumir o seu papel.
O texto foge-lhe da mente uma
vez desligado o "teleprompter"
da campanha. Ei-lo agora, com o
olhar perdido nos bastidores,
acompanhando o desenvolvimento das sucessivas rusgas de
vaidade entre os atores secundários da comédia.
Aldo Rebelo e Arlindo Chinaglia já representaram, no começo do ano, os papéis de Vladimir
e Estragon numa versão pouco
inspirada do clássico de Beckett;
argumentava-se, naquele momento, que era preciso saber
quem seria o novo presidente da
Câmara dos Deputados antes de
nomear algum ministro.
Veio um intervalo -o Carnaval- e agora Nelson Jobim e Michel Temer serão encarregados
de substituir, com floreios parnasianos e pérolas da poesia forense, a tartamudeante e esfarrapada prosa do primeiro ato.
Enquanto isso, questões cruciais quedam irresolvidas. Ministros em situação periclitante
ignoram, por exemplo, em que
cidade irão matricular seus filhos: para um governo que prioriza a educação, o problema deveria ser levado em conta. Já o
ocupante da pasta das Cidades,
Márcio Fortes, talvez tenha de
reciclar-se para assumir a da
Agricultura. Talvez não; quem
sabe?
Lula não sabe ainda. Deve saber, entretanto, que as ações da
Polícia Federal -um dos raros
focos de diligência administrativa em seu primeiro mandato-
tiveram seu ritmo reduzido enquanto não se sabe quem ocupará o Ministério da Justiça. A falta
de novos ministros, entretanto,
não deveria ser motivo para que
as operações da PF entrassem
em compasso de espera.
O segundo mandato de Lula
mal começa, e começa mal; a rigor, não começa nunca -e, se a
comparação com "Esperando
Godot" não é inadequada, o título de outra peça de Beckett talvez
pudesse caracterizar, num paradoxo, o clima deste início de governo: "Fim de Jogo".
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