São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2007

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CARLOS HEITOR CONY

Dilúvio cultural

RIO DE JANEIRO - Ray Bradbury, em "Fahrenheit 451", que deu origem ao filme homônimo de François Truffaut, criou uma sociedade do futuro em que os livros são queimados por agentes dos governos totalitários. A mania de queimar livros e pessoas é antiga na humanidade. Nero queimava cristãos para iluminar os jardins de sua Domus Áurea, a Inquisição queimou infiéis, e não faz muito Hitler queimou as obras que não eram agradáveis ao regime que ele criou.
O argumento para justificar a queima de livros é simples: transmitindo a cultura e a arte, os livros tornam os homens desiguais em gênero e grau. Os filósofos se desmentem, os sociólogos se engalfinham, os historiadores se insultam e os artistas se esculhambam uns aos outros. Somente a radicalização tornaria a humanidade mais homogênea, fazendo da ignorância um patrimônio comum. Não haveria sábios mais sábios que os outros. Nem donos da verdade.
A idéia não deixa de ser instigante. Um dilúvio poria todos no mesmo estágio, desde que não houvesse um espírito de porco que inventasse uma nova arca de Noé para salvar os eleitos. É possível que todos fôssemos melhores a partir de um zero universal e igualitário. Dando bom exemplo, eu me comprometeria a queimar tudo o que escrevi e falei até agora, esperando que os outros fizessem o mesmo. Evidente que não se perderia muita coisa com a queima dos meus livros, valeria apenas a minha boa vontade de colaborar para a felicidade geral.
A primeira tentativa de criar uma civilização por meio de valores éticos, morais e científicos não deu certo até agora. Arrastaram um menino preso ao cinto de segurança e a sociedade ficou chocada, mas sem saber o que fazer de concreto para evitar novos horrores. Zerando tudo, começando de novo, é capaz de as coisas saírem melhores.


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