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CARLOS HEITOR CONY
Dilúvio cultural
RIO DE JANEIRO - Ray Bradbury, em "Fahrenheit 451", que deu
origem ao filme homônimo de
François Truffaut, criou uma sociedade do futuro em que os livros são
queimados por agentes dos governos totalitários. A mania de queimar livros e pessoas é antiga na humanidade. Nero queimava cristãos
para iluminar os jardins de sua Domus Áurea, a Inquisição queimou
infiéis, e não faz muito Hitler queimou as obras que não eram agradáveis ao regime que ele criou.
O argumento para justificar a
queima de livros é simples: transmitindo a cultura e a arte, os livros
tornam os homens desiguais em gênero e grau. Os filósofos se desmentem, os sociólogos se engalfinham,
os historiadores se insultam e os artistas se esculhambam uns aos outros. Somente a radicalização tornaria a humanidade mais homogênea, fazendo da ignorância um patrimônio comum. Não haveria sábios mais sábios que os outros. Nem
donos da verdade.
A idéia não deixa de ser instigante. Um dilúvio poria todos no mesmo estágio, desde que não houvesse
um espírito de porco que inventasse uma nova arca de Noé para salvar
os eleitos. É possível que todos fôssemos melhores a partir de um zero
universal e igualitário. Dando bom
exemplo, eu me comprometeria a
queimar tudo o que escrevi e falei
até agora, esperando que os outros
fizessem o mesmo. Evidente que
não se perderia muita coisa com a
queima dos meus livros, valeria
apenas a minha boa vontade de colaborar para a felicidade geral.
A primeira tentativa de criar uma
civilização por meio de valores éticos, morais e científicos não deu
certo até agora. Arrastaram um menino preso ao cinto de segurança e a
sociedade ficou chocada, mas sem
saber o que fazer de concreto para
evitar novos horrores. Zerando tudo, começando de novo, é capaz de
as coisas saírem melhores.
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