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Vácuo de propósitos
Governo atropela Congresso e não explica por que o contribuinte será obrigado a arcar com novo canal de TV estatal
HÁ UMA série de equívocos, seja nos pressupostos que lhe deram
origem, seja no meio
escolhido para a sua implantação, no projeto da nova TV estatal patrocinada pelo governo Lula. A iniciativa atropelou o escrutínio do Congresso e já está no ar
desde dezembro, por força de
uma medida provisória, cujo cerne acaba de ser aprovado pela
Câmara.
O flagrante policial contra um
grupo de petistas que tentava
forjar um dossiê para atacar adversários, na véspera do primeiro turno de 2006, precipitou tudo. O Planalto absorveu a paranóia dos que enxergaram na cobertura do episódio uma armação midiática para derrotar a
candidatura do presidente Lula.
A nova TV seria a resposta ideal
àquilo que o governismo considera o monolito antilulista da
imprensa.
Diagnóstico errado não costuma inspirar boas terapêuticas. O
agravante, no caso, é que o erro
se associa ao interesse, que acomete todo governante, de anestesiar a crítica -de ver o noticiário transformado num panegírico de autopromoção.
É baixa a credibilidade de uma
empreitada que, além de ter nascido do espasmo de um governo
acuado e de ter sido imposta numa medida provisória, deixa intocada a estrutura das comunicações estatais no país, moldada
pelo aparelhamento e pelo empreguismo -e irrelevante em
termos de audiência.
Em vez de propor enxugamento e racionalização dessa vasta
máquina que só fez crescer nos
últimos anos (na primeira gestão
petista, o número de rádios e TVs
educativas subiu 26%), a iniciativa de Lula apenas lhe acrescenta
mais um canal. A TV Brasil já
nasce obesa, contando com
2.000 funcionários, reunião do
quadro da Radiobrás com o da
TVE do Rio de Janeiro.
Outro equívoco é o argumento
de que o canal federal terá condições de praticar alguma forma
inovadora de jornalismo. Os
mais bem-sucedidos experimentos para modernizar o noticiário
em veículos públicos buscaram
copiar os melhores padrões da
mídia privada. Mas a cópia ficou
sempre pior que o original, por
carência de recursos, financeiros
e gerenciais. A opção de destinar
o dinheiro para a produção de
conteúdo educativo, artístico e
cultural, segmento mal atendido
pelos meios tradicionais, tem sido mais promissora.
É óbvio, por fim, que a instituição de um conselho curador
composto por representantes da
sociedade civil -da sociedade civil próxima ao petismo, entenda-se- não dá garantia nenhuma de
que a nova TV vai se livrar do
chapa-branquismo. Nem a BBC,
com um sistema de controle
muito mais enraizado na sociedade britânica, escapa de críticas
por conduta parcial.
Falta, pois, a justificativa básica para a criação do novo canal
estatal no Brasil: por que o contribuinte será obrigado a arcar
com um canal de TV tão caro (R$
500 milhões ao ano) e tão redundante com seus antecessores. Os
senadores não deveriam aprovar
a MP sem arrancar do governo
explicações e concessões que
preencham ao menos em parte
esse vácuo de propósitos.
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