São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Próximo Texto | Índice

Vácuo de propósitos

Governo atropela Congresso e não explica por que o contribuinte será obrigado a arcar com novo canal de TV estatal

HÁ UMA série de equívocos, seja nos pressupostos que lhe deram origem, seja no meio escolhido para a sua implantação, no projeto da nova TV estatal patrocinada pelo governo Lula. A iniciativa atropelou o escrutínio do Congresso e já está no ar desde dezembro, por força de uma medida provisória, cujo cerne acaba de ser aprovado pela Câmara.
O flagrante policial contra um grupo de petistas que tentava forjar um dossiê para atacar adversários, na véspera do primeiro turno de 2006, precipitou tudo. O Planalto absorveu a paranóia dos que enxergaram na cobertura do episódio uma armação midiática para derrotar a candidatura do presidente Lula. A nova TV seria a resposta ideal àquilo que o governismo considera o monolito antilulista da imprensa.
Diagnóstico errado não costuma inspirar boas terapêuticas. O agravante, no caso, é que o erro se associa ao interesse, que acomete todo governante, de anestesiar a crítica -de ver o noticiário transformado num panegírico de autopromoção.
É baixa a credibilidade de uma empreitada que, além de ter nascido do espasmo de um governo acuado e de ter sido imposta numa medida provisória, deixa intocada a estrutura das comunicações estatais no país, moldada pelo aparelhamento e pelo empreguismo -e irrelevante em termos de audiência.
Em vez de propor enxugamento e racionalização dessa vasta máquina que só fez crescer nos últimos anos (na primeira gestão petista, o número de rádios e TVs educativas subiu 26%), a iniciativa de Lula apenas lhe acrescenta mais um canal. A TV Brasil já nasce obesa, contando com 2.000 funcionários, reunião do quadro da Radiobrás com o da TVE do Rio de Janeiro.
Outro equívoco é o argumento de que o canal federal terá condições de praticar alguma forma inovadora de jornalismo. Os mais bem-sucedidos experimentos para modernizar o noticiário em veículos públicos buscaram copiar os melhores padrões da mídia privada. Mas a cópia ficou sempre pior que o original, por carência de recursos, financeiros e gerenciais. A opção de destinar o dinheiro para a produção de conteúdo educativo, artístico e cultural, segmento mal atendido pelos meios tradicionais, tem sido mais promissora.
É óbvio, por fim, que a instituição de um conselho curador composto por representantes da sociedade civil -da sociedade civil próxima ao petismo, entenda-se- não dá garantia nenhuma de que a nova TV vai se livrar do chapa-branquismo. Nem a BBC, com um sistema de controle muito mais enraizado na sociedade britânica, escapa de críticas por conduta parcial.
Falta, pois, a justificativa básica para a criação do novo canal estatal no Brasil: por que o contribuinte será obrigado a arcar com um canal de TV tão caro (R$ 500 milhões ao ano) e tão redundante com seus antecessores. Os senadores não deveriam aprovar a MP sem arrancar do governo explicações e concessões que preencham ao menos em parte esse vácuo de propósitos.


Próximo Texto: Editoriais: Proposta dispensável

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.