São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001

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OPIOFOBIA

"Pois não houve ainda filósofo que suportasse a dor de dente com paciência." A frase, de Shakespeare ("Muito Barulho por Nada"), remete ao aspecto mais orgânico da dor física, que está além de filosofias e teorias. Na dor, o homem é igual à maioria dos animais. Apenas a cessação dos estímulos dolorosos é capaz de trazer alívio.
E a relação da medicina com a dor é problemática. Em princípio, existe um amplo arsenal de possibilidades terapêuticas à disposição dos médicos, desde analgésicos comuns, como a Aspirina e a Novalgina, até poderosos opióides, mil vezes mais fortes do que a morfina. O problema, como bem mostrou Drauzio Varella em sua coluna na Folha no último sábado, é que nem sempre os médicos estão prontos a usá-lo da melhor maneira possível.
Certas dores são resistentes a drogas menos poderosas. Elas só cedem a opióides, cujos efeitos colaterais, notadamente a dependência, são conhecidos e temidos. Talvez exageradamente. Na prática, derivados da morfina só são receitados em regime de maior duração para pacientes terminais que se encontrem hospitalizados. Se o paciente sofre de dor não-maligna ou não está internado, torna-se difícil utilizar a medicação. O médico teme receitá-la, a família reluta em ministrá-la, e a burocracia dificulta a aquisição.
É claro que é preciso ter cuidados na prescrição de opióides, mas eles extrapolam o limite do razoável quando impedem que uma pessoa que precisa da droga para aliviar sua dor a obtenha. Quando isso ocorre, o médico falha em sua missão de oferecer conforto ao paciente.
A dor é um dos temas em moda na medicina. Nos últimos anos produziram-se centenas de estudos sobre a dor crônica. A maioria deles sugere que são raríssimos os casos de dependência entre pacientes que utilizaram opióides para controlá-la. Alguns desses estudos chegam mesmo a condenar uma certa "opiofobia".
Como sugeriu Varella, é preciso rever a abordagem da dor ensinada nas escolas médicas bem como as exigências das autoridades sanitárias. Não há razão para, por medo de uma possível dependência, condenar uma pessoa a dores excruciantes.


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