São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001

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ANTONIO DELFIM NETTO

Metas de inflação e autonomia do BC

Quando eu costumava ser economista -há meio século-, tínhamos a pretensão de que poderíamos construir com a política monetária o que, ironicamente, se chamava o "quadrado mágico": 1) um alto índice do nível de atividade; 2) um baixo nível de desemprego; 3) uma estabilidade dos preços e 4) uma estabilidade da taxa de câmbio.
Mais tarde, os avanços da teoria da política econômica mostraram que isso era impossível com um único instrumento (o controle, no início, da massa monetária e, posteriormente, da taxa de juro nominal de curto prazo). Antes disso, entretanto, já se havia demonstrado a impossibilidade de construir um sistema cambial que admitisse, ao mesmo tempo, uma política monetária autônoma para manter um alto nível de atividade, uma taxa de câmbio fixa para ancorar os preços e uma ampla liberdade de movimento de capitais.
O sonho acabou quando os bancos centrais, levando a sério a necessidade de manter estabilidade com pleno emprego, não conseguiram nem uma coisa nem outra. Nesse tempo, as políticas de renda (controle de preços e salários) passaram a fazer parte das recomendações dos economistas das melhores e mais respeitadas famílias. Foi o tempo da "stagflação". Os bancos centrais produziram, ao mesmo tempo, o que parecia impossível: a combinação de forte inflação com baixíssimo crescimento.
Hoje, os bancos centrais recebem completa autonomia para realizar um único objetivo, que é o controle da inflação. Ainda que alguns deles (particularmente o Fed) tenham sempre um olhar para o nível de atividade, seu objetivo principal é a estabilidade dos preços.
A "moda" mais recente da política monetária é o sistema de metas inflacionárias. Nele, o Banco Central tem de concentrar-se na consecução de um único objetivo, a "meta inflacionária", utilizando o seu único instrumento, a taxa de juro nominal de curto prazo. Em princípio a "meta" deve ser fixada pela autoridade política (o presidente, o ministro da Fazenda ou o Congresso), e a "independência" do Banco Central se restringe à sua liberdade operacional. Independência significa, aqui, apenas a autonomia para usar discricionariamente o seu único instrumento.
É preciso reconhecer que, pelo menos até agora, tal regime e tal autonomia têm-se revelado adequados para manter uma relativa estabilidade dos preços, porque impõem, inclusive, limites para a política orçamentária e obrigam a uma coordenação entre a autoridade fiscal e a autoridade monetária.
Não há por que temer a autonomia do Banco Central. O aparente déficit democrático, que a inamovibilidade a prazo certo dos seus diretores impõe no início de cada governo, é um forte tranquilizante de "passagem" nas eventuais mudanças determinadas pelas "urnas". Ela corrige-se com a distribuição temporal dos termos dos mandatos. A ""nova autoridade" pode alterar a ""meta" no primeiro dia do seu mandato, se achar que ""mais inflação produz mais bem-estar". E a ""velha" diretoria não terá o direito de recusar a ""nova" meta, a não ser demitindo-se...


Antonio Delfim Netto, escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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