São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES Pela extinção das medidas provisórias
CARLOS MIGUEL AIDAR
A inobservância da "urgência" para a edição de MPs é mais clamorosa ainda. No mês de fevereiro, por exemplo, o governo editou e reeditou, em um só dia, 42 MPs. Muitas das mais de 5.000 edições e reedições de MPs embutem disposições controvertidas, danosas à sociedade. É o caso da MP nš 2.102/01, que aumentou de 5 para 30 dias o prazo para a propositura de embargos à execução nos processos trabalhistas. Na ânsia de conceder essa vantagem para a Fazenda Pública, o governo aumentou o prazo para todas as empresas executadas na Justiça do Trabalho. Quem perdeu com isso? Sem dúvida os trabalhadores que tiveram as suas postulações acatadas pela Justiça. As medidas provisórias, hoje, são mais abrangentes do que os decretos-lei, previstos na Constituição de 1967, que limitava os assuntos sobre os quais o presidente poderia usar o dispositivo: segurança nacional; finanças públicas, inclusive normas tributárias; criação de cargos públicos; e fixação de vencimentos. Publicado o texto, o decreto-lei tinha vigência imediata. No caso de não ser apreciado pelo Congresso no prazo de 60 dias, era incluído automaticamente na ordem do dia, em regime de urgência. As MPs, ao contrário, desconhecem limitação de matérias, versando desmedidamente sobre leis complementares, Código Penal, Código Civil e questões privativas dos demais Poderes. Não podemos admitir que um instrumento excepcional exclua a sociedade do debate sobre temas relevantes. Vivemos dentro de um Estado de Direito. Todas as brechas são utilizadas pelo Executivo. Embora o art. 246 da Constituição proíba a adoção de MPs na regulamentação de artigos que tenham sido alterados por emendas constitucionais, ele não é observado. A continuar o uso abusivo das MPs, vivenciaremos, em breve, uma realidade atípica para uma democracia plena. Com tantas mudanças legais -que os próprios operadores do direito sentem dificuldades em acompanhar-, teremos de inverter a máxima na qual ninguém pode descumprir a lei alegando desconhecimento da mesma. Também adensaremos a crise do Judiciário, que padece de falta de agilidade, porque, pelas MPs, estaremos sustentando uma insensata litigiosidade, que vem saturando os tribunais, principalmente os superiores. Restringir o uso das MPs -como pleiteia o Legislativo- não passaria de um paliativo capaz de gerar novas distorções. Ou extinguimos as MPs ou elas ganharão ramificações, como podemos observar em alguns Estados, que já buscam nesse instituto uma solução para as mazelas do Executivo. A própria Advocacia Geral da União vem trabalhando no sentido de defender a constitucionalidade das MPs estaduais. Até o entulho autoritário do decreto-lei tinha o seu uso vedado a governadores e prefeitos. Não é o caso das MPs. É isso que os brasileiros desejam? Dormir sob uma lei e acordar sob outra? A agilização do Executivo não pode se sobrepor ao ordenamento jurídico nacional, ao equilíbrio entre os Poderes e à plena democracia. Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da OAB. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Romano: Em defesa do cinismo Índice |
|