São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Soluções para o crescimento sem ruptura

HORACIO LAFER PIVA

No melhor dos mundos, a taxa média de crescimento do Brasil neste e nos próximos dois anos será de 3,5% ao ano. Cada vez mais pessoas têm essa percepção, o que impregna o ambiente com angústia e com o desejo de mudança. Afinal, se tudo der certo, não seremos capazes de chegar aonde queremos! O que fazer?
No debate estão colocados dois caminhos. O primeiro é considerado ortodoxo. Por essa trilha, insiste-se no coquetel de política econômica atual e investe-se tempo e energia em uma agenda microeconômica absolutamente densa. O grande desafio dessa opção é resistir ao desgaste político que deriva da lentidão com que se revelam e se fazem sentir os benefícios desse plano de vôo.
O segundo caminho é o da mudança radical. Os juros seriam reduzidos drasticamente e o câmbio, desvalorizado. Quem, nessa linha, teme uma explosão da inflação como conseqüência da súbita mudança de patamar de juros e câmbio advoga um aumento substancial do superávit primário. A âncora do processo seria a política fiscal.
A angústia atual e o desejo crescente por mudanças nos colocam à frente de uma bifurcação imaginária. Não existem apenas dois caminhos. E o que chamo de alternativa radical é inviável nas condições presentes. Entre outros motivos, porque nos faltam operadores para conduzir a travessia e porque não temos condições para ampliar a ancoragem na política fiscal. A carga tributária já é demasiado alta, as despesas são rígidas e grande parte das receitas é vinculada.
A Fiesp defende um terceiro caminho. Não acreditamos no gradualismo excessivo da política atual e tampouco em uma transição rápida para uma situação em que os juros reais seriam inferiores a 5% ao ano.
Na área fiscal, reconhecemos a necessidade de manter o patamar atual de superávit primário. Quem diz o contrário está avaliando as opções de calote/renegociação da dívida e/ou ajuste das contas públicas pelo aumento da inflação. Nós rechaçamos essas alternativas.



As pessoas reconhecem o aumento recente da tensão política e certa fadiga do modelo econômico vigente
Mas não consideramos aceitável que o superávit primário continue sendo obtido por meio da redução dos investimentos públicos e do aumento da carga tributária (nem tampouco a manutenção da carga atual no longo prazo é desejável). O ônus para o crescimento é evidente e não pode ser mais tolerado. Para obtermos o mesmo superávit e mais crescimento da economia, o ajuste precisa se basear em gestão mais eficiente dos recursos públicos e no corte de despesas correntes.
O governo inova ao anunciar medidas de política industrial. Nosso desafio será manter o foco da política industrial anunciada pelo governo e trabalhar pela implementação e eficácia das medidas propostas. Se tivermos êxito, estaremos dando importante impulso ao crescimento do nosso país.
Para que o benefício social dessa empreitada seja ainda maior, nós da Fiesp sugerimos ao governo que inclua em sua política industrial incentivos para alguns setores com grande potencial de geração de emprego, como a construção civil e a cadeia do agronegócio.
Na área monetária, defendemos que o Banco Central use a flexibilidade que o regime de metas de inflação lhe permite. O choque de custos que as empresas sofrem hoje é maior do que o BC reconhece. Advém do aumento de preço de algumas commodities internacionais, do aumento da carga tributária, dos efeitos da nova sistemática de cálculo da Cofins e dos reajustes das tarifas de energia.
Além disso, é hora de discutirmos o aprimoramento do regime de metas de inflação. E também o patamar de inflação que se deseja para o país no longo prazo, bem como o ritmo de convergência para ele.
A política cambial do governo deveria ter objetivo mais ousado de aumento das nossas reservas internacionais. É prudente imaginar que esteja à espreita uma retração do fluxo internacional de capitais semelhante à que ocorreu em 2002. Quando surgir, as intervenções do governo não deveriam utilizar títulos públicos indexados à taxa de câmbio. Para não perdermos poder de intervenção, precisamos de munição em divisas fortes.
A agenda pró-crescimento não se esgota aí. Muitas outras medidas constam de documento entregue recentemente pela CNI e pelas federações de indústria ao presidente Lula. A pauta é densa e requer ação articulada do governo.
Neste momento de revisão de expectativas, propostas de mudança radical são ventiladas cada vez mais. As pessoas reconhecem o aumento recente da tensão política e certa fadiga do modelo econômico vigente. O passo seguinte é analisar alternativas à luz do dia.
Todas as alternativas radicais sugerem saídas fáceis. Bastaria mudar o coquetel de política econômica, dizem os seus defensores. É preciso que se afirme: são propostas falsas, enganosas, não levarão o país aonde prometem.
A revisão de expectativas recente alterou muito pouco a taxa de crescimento provável nos próximos anos. Mas elevou a probabilidade e tornou mais fácil o desenho de cenários de estresse. Para que o temor causado por esses cenários não retraia investimentos, o governo deve restaurar rapidamente a confiança e acelerar a implementação da agenda pró-crescimento. Este seria, pois, o terceiro caminho.


Horacio Lafer Piva, 46, é o presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).



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