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SÉRGIO DÁVILA
Começou com
um abacaxi
Segundo o Laboratório de Ciências Cognitivas da Universidade
Princeton, "mania" é um motivo irracional, mas irresistível, para uma
crença ou ação. No seu último discurso sobre o Estado da União, George
W. Bush disse que os norte-americanos têm um vício -no caso, o petróleo. Poderia ter dito que têm também
uma mania: a de promover "mudanças de regime" alhures.
Não é prerrogativa e desejo apenas
do atual presidente norte-americano,
conforme confirmou à Folha de domingo retrasado o autor intelectual
do Plano Irã, que prevê a "mudança
de regime" naquele país do golfo Pérsico, seja por que maneira for -desde, é claro, que o "povo iraniano"
queira. Tal altruísmo no olho dos outros deve ter vindo já no Mayflower,
desembarcado com os primeiros imigrantes.
Se não tanto, está presente pelo menos desde 1893, quando a Casa Branca
e seus enviados conspiraram para a
derrubada da rainha Liliuokalani, do
Havaí. A idéia de Washington era, obviamente, anexar as ilhas ao seu território, mas a moeda de troca para o
apoio dos nativos ao golpe de Estado
foi um acordo comercial de exportação de abacaxis que nunca veio.
Quem conta é Stephen Kinzer, em
seu recém-lançado "Overthrow"
("derrubar", "causar a queda de", em
inglês, no sentido de golpe de Estado
ou destituição de poder). No novo livro, já obrigatório, o especialista em
relações internacionais sustenta que
os motivos "oficiais" ianques são
sempre muito nobres e embrulhados
em pacotes bonitos, como a defesa da
democracia e a manutenção dos direitos humanos.
Mas o que movem as armas locais
de verdade é garantir ou restabelecer
o acesso dos Estados Unidos a recursos naturais (caso da Guerra do Golfo,
cujo palco foi o rico em petróleo
Kuait). Ou assegurar a influência política em Estados recém-criados ou que
pretendem se tornar independentes
(como no Panamá, o país-canal). Ou
os dois (vide os abacaxis do Havaí).
O curioso é que, a longo prazo, o resultado, na maior parte das vezes, é
ruim tanto para o país "ajudado" e
para sua população como para os
próprios EUA. Donde, conclui Kinzer
e uma variedade de analistas de ambos os espectros políticos de Washington, o gene do imperialismo deve
estar impregnado no DNA do "homo
americanis".
Pode-se concordar ou não, mas é difícil ignorar a eloqüência da lista apresentada pela história. Os Estados Unidos não declaram guerra formalmente a nação nenhuma desde que o presidente democrata Franklin Roosevelt
(1882-1945) pediu sucessivamente
cinco autorizações ao Congresso para
tal fim durante a Segunda Guerra
Mundial, a primeira em 8 de dezembro de 1941, a última em 5 de junho de
1942, todas devidamente aprovadas.
De lá para cá, no entanto, além de
"mudanças de regime" sugeridas, patrocinadas ou apoiadas -como no
caso do Chile e, em menor grau, do
próprio Brasil-, o país invadiu, atacou ou bombardeou os seguintes lugares: Coréia, Guatemala, Indonésia,
Cuba, Guatemala de novo, Peru, Laos,
Vietnã, Camboja, Guatemala outra
vez, Granada, Líbano, Líbia, El Salvador, Nicarágua, Irã, Panamá, Kuait,
Iraque, Haiti, Somália, Bósnia, Sudão,
ex-Iugoslávia, Afeganistão e o Iraque
mais uma vez, onde ainda estão.
Pelo trotar do cavalo, o Irã deve se
juntar à Guatemala e ao Iraque logo
mais na lista dos reincidentes.
Sérgio Dávila é correspondente em Washington. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.
@ - sdavila@folhasp.com.br
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