São Paulo, sábado, 25 de abril de 2009

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CESAR MAIA

Embargo a Cuba!

EM DEZEMBRO de 2004, em nome de representantes das cidades presentes na recepção para comemorar os 485 anos de Havana, afirmei que, visto de uma perspectiva liberal, o embargo econômico dos EUA a Cuba era uma gigantesca irracionalidade, inclusive política. Visitei Havana com toda a liberdade, conhecendo os progressos da revitalização do centro histórico e as ruínas e cortiços de toda a área que está fora desse núcleo. Conversei com os seus dirigentes.
Meses depois, assisti a um documentário alemão, "Memórias das Ruínas", sobre as pessoas que viviam naqueles destroços de casas, de antigos restaurantes e de teatros. O documentário, além de mostrar as ruínas e os cortiços, entrevistava seus moradores permanentes. Queria saber das razões, se havia memória sobre o que era antes aquele imóvel e associá-la ao equilíbrio emocional das pessoas que fizeram essa escolha.
Registrei quatro depoimentos. O de um fazendeiro, expropriado pela revolução, que optou por ficar em Cuba e morar na casinha de caseiro. Seu telurismo o impedia de viver como rico em Miami. O outro, de uma mulher que fez essa opção por conflito e exclusão familiar. O terceiro, de um homem que morava em um antigo teatro e vivia um desequilíbrio mental leve e lúdico, tanto que usava o palco e as instalações do teatro para atuar, solitário e sem público.
Finalmente, o depoimento que mais chamou minha atenção foi o de um professor e escritor dissidente, que cumpriu pena na prisão. Solto, não poderia sair de Havana. Escolheu para morar uma minicobertura de um cortiço. Tinha-a bem arrumada, com plantas e flores nos muros disponíveis, entre passagens apertadas. Seu depoimento teve caráter político. Disse que havia, por parte de Castro e de seu grupo, o interesse em manter o binômio embargo/ruínas. Que as ruínas/cortiços eram usados como consequências do embargo e ofereciam mais que discurso: imagens fortes do cerco a Cuba.
Ele assegurou que o embargo era a outra face da moeda, pois permitia ao governo 1) demonizar o seu inimigo, os EUA, e 2) colocar-se em posição de vítima -e, com isso, manter o povo solidário e mobilizado, usando o nacionalismo como arma. Por fim, afirmou que o embargo era do maior interesse de Castro e que ele encontraria qualquer desculpa para preservá-lo. Manter o embargo, portanto, era ingenuidade dos EUA, pois estava fazendo o jogo de Cuba. Bem, agora, com a posição pública de Obama, será possível testar a avaliação do professor dissidente e saber se realmente interessa a Cuba manter o embargo para agregação interna e, sendo assim, quais serão os próximos pretextos.

cesar.maia@uol.com.br

CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.


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