|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CESAR MAIA
Embargo a Cuba!
EM DEZEMBRO de 2004, em
nome de representantes das
cidades presentes na recepção para comemorar os 485 anos
de Havana, afirmei que, visto de
uma perspectiva liberal, o embargo
econômico dos EUA a Cuba era
uma gigantesca irracionalidade, inclusive política. Visitei Havana
com toda a liberdade, conhecendo
os progressos da revitalização do
centro histórico e as ruínas e cortiços de toda a área que está fora desse núcleo. Conversei com os seus
dirigentes.
Meses depois, assisti a um documentário alemão, "Memórias das
Ruínas", sobre as pessoas que viviam naqueles destroços de casas,
de antigos restaurantes e de teatros. O documentário, além de
mostrar as ruínas e os cortiços, entrevistava seus moradores permanentes. Queria saber das razões, se
havia memória sobre o que era antes aquele imóvel e associá-la ao
equilíbrio emocional das pessoas
que fizeram essa escolha.
Registrei quatro depoimentos. O
de um fazendeiro, expropriado pela revolução, que optou por ficar
em Cuba e morar na casinha de caseiro. Seu telurismo o impedia de
viver como rico em Miami. O outro, de uma mulher que fez essa opção por conflito e exclusão familiar. O terceiro, de um homem que
morava em um antigo teatro e vivia
um desequilíbrio mental leve e lúdico, tanto que usava o palco e as
instalações do teatro para atuar,
solitário e sem público.
Finalmente, o depoimento que
mais chamou minha atenção foi o
de um professor e escritor dissidente, que cumpriu pena na prisão.
Solto, não poderia sair de Havana.
Escolheu para morar uma minicobertura de um cortiço. Tinha-a
bem arrumada, com plantas e flores nos muros disponíveis, entre
passagens apertadas. Seu depoimento teve caráter político. Disse
que havia, por parte de Castro e de
seu grupo, o interesse em manter o
binômio embargo/ruínas. Que as
ruínas/cortiços eram usados como
consequências do embargo e ofereciam mais que discurso: imagens
fortes do cerco a Cuba.
Ele assegurou que o embargo era
a outra face da moeda, pois permitia ao governo 1) demonizar o seu
inimigo, os EUA, e 2) colocar-se em
posição de vítima -e, com isso,
manter o povo solidário e mobilizado, usando o nacionalismo como
arma. Por fim, afirmou que o embargo era do maior interesse de
Castro e que ele encontraria qualquer desculpa para preservá-lo.
Manter o embargo, portanto, era
ingenuidade dos EUA, pois estava
fazendo o jogo de Cuba. Bem, agora, com a posição pública de Obama, será possível testar a avaliação
do professor dissidente e saber se
realmente interessa a Cuba manter
o embargo para agregação interna
e, sendo assim, quais serão os próximos pretextos.
cesar.maia@uol.com.br
CESAR MAIA escreve aos sábados nesta coluna.
Texto Anterior: Rio da Janeiro - Ruy Castro: Mais que "MPB" Próximo Texto: Frases
Índice
|