São Paulo, sábado, 25 de abril de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positivo o projeto de lei que proíbe motos de andar nos corredores entre os carros?

SIM

Uma década sem o artigo 56

PAULO CESAR MARQUES DA SILVA

EM 1997 , o Congresso aprovou o Código de Trânsito Brasileiro, cujo texto original dizia, no artigo 56: "É proibida ao condutor de motocicletas, motonetas e ciclomotores a passagem entre veículos de filas adjacentes ou entre a calçada e veículos de fila adjacente a ela". Assim como esse, outros dispositivos do CTB anunciavam um rigor até então inédito, a tal ponto que sua discussão no Congresso produziu reduções históricas nos índices dos acidentes de trânsito antes mesmo de a lei entrar em vigor, em janeiro de 1998.
Acontece que, no momento de sancioná-la, o então presidente da República vetou, entre outros, o artigo 56. Pior ainda, a mensagem 1.056/97 apresenta como razão para o veto o argumento de que "o dispositivo restringe sobre maneira [sic] a utilização desse tipo de veículo que, em todo o mundo, é largamente utilizado como forma de garantir maior agilidade de deslocamento". Assim, em vez de estimular a atitude prudente de motociclistas, o Executivo dava sua chancela à prática de andar "no corredor", hoje tão condenada pelos motoristas.
Não seria razoável atribuir apenas ao veto a situação que ora vivemos, mas o fato é que a proporção de motocicletas na frota nacional aumenta ano a ano, e elas representam mais de 30% dos veículos envolvidos em acidentes com vítimas. Se não cabe responsabilizar o veto por esse quadro, por outro lado não se pode ignorar que prevaleceu no período a percepção de que a motocicleta é a solução para superar a lentidão do trânsito nas cidades, exatamente como dissera o então presidente da República.
O crescimento do motofrete é o lado mais visível dessa realidade, que viu a motocicleta se consolidar como resposta economicamente viável à falência do Estado enquanto formulador e gestor de políticas de transporte urbano. A ponto de ouvirmos, nas discussões apaixonadas dos últimos dias, previsões -a um só tempo catastrofistas e ufanistas- de que o Congresso estaria a ponto de fazer a economia entrar em colapso, por inviabilizar o setor.
A propósito, o caso do motofrete sintetiza a atitude esquizoide de grande parte da sociedade em relação a motociclistas: o mesmo motorista que reclama da hostilidade do motoboy no trânsito encomenda a pizza que não lhe será cobrada se for entregue mais de meia hora depois, tempo de viagem que só é cumprido se o entregador transgredir as regras de trânsito. Mas esse já é outro assunto.
Uma manifestação dessa esquizoidia mais próxima do atual debate tem a ver com o fato de que a motocicleta requer uma distância maior do que o automóvel para parar. Por isso, motociclistas precisam guardar mais distância do veículo à frente do que motoristas. Em condições de tráfego denso, porém, os motoristas ocupam o espaço de segurança que motociclistas tentam deixar, restando a estes circular por onde os automóveis não passam. Ou seja, motociclistas muitas vezes são levados a andar "no corredor" pelos próprios motoristas.
Nada disso tira o valor do projeto de lei 2.650/03, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, que recupera o espírito do texto original do CTB. Seu maior valor é ter como base um projeto que foi amplamente debatido no Congresso com participação de especialistas e outros representantes da sociedade civil, diferentemente do veto inspirado na percepção de algum burocrata que frequentava o Palácio do Planalto na época.
A viabilidade de fiscalizar o cumprimento da medida ganhou grande destaque no debate, mas é um aspecto de certa forma secundário. Digo isso porque, antes de ser um código penal, o CTB é um código de conduta (o artigo 56 está no capítulo 3º -Das normas gerais de circulação e conduta), cujo respeito depende mais da promoção da cidadania e de valores éticos que da penalização dos infratores.
Portanto, precisamos investir muito em programas de educação no trânsito para promover um adequado ambiente de convivência social. Afinal, a condição de implementação do artigo 56 está uma década pior.

PAULO CESAR MARQUES DA SILVA, 47, doutor em transportes pela Universidade de Londres (Inglaterra), é professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Transportes da UnB (Universidade de Brasília).


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