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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positivo o projeto de lei que proíbe motos
de andar nos corredores entre os carros?
SIM
Uma década sem o artigo 56
PAULO CESAR MARQUES DA SILVA
EM 1997 , o Congresso aprovou o
Código de Trânsito Brasileiro,
cujo texto original dizia, no artigo 56: "É proibida ao condutor de motocicletas, motonetas e ciclomotores
a passagem entre veículos de filas adjacentes ou entre a calçada e veículos
de fila adjacente a ela". Assim como
esse, outros dispositivos do CTB
anunciavam um rigor até então inédito, a tal ponto que sua discussão no
Congresso produziu reduções históricas nos índices dos acidentes de
trânsito antes mesmo de a lei entrar
em vigor, em janeiro de 1998.
Acontece que, no momento de sancioná-la, o então presidente da República vetou, entre outros, o artigo 56.
Pior ainda, a mensagem 1.056/97
apresenta como razão para o veto o
argumento de que "o dispositivo restringe sobre maneira [sic] a utilização
desse tipo de veículo que, em todo o
mundo, é largamente utilizado como
forma de garantir maior agilidade de
deslocamento". Assim, em vez de estimular a atitude prudente de motociclistas, o Executivo dava sua chancela
à prática de andar "no corredor", hoje
tão condenada pelos motoristas.
Não seria razoável atribuir apenas
ao veto a situação que ora vivemos,
mas o fato é que a proporção de motocicletas na frota nacional aumenta
ano a ano, e elas representam mais de
30% dos veículos envolvidos em acidentes com vítimas. Se não cabe responsabilizar o veto por esse quadro,
por outro lado não se pode ignorar
que prevaleceu no período a percepção de que a motocicleta é a solução
para superar a lentidão do trânsito
nas cidades, exatamente como dissera o então presidente da República.
O crescimento do motofrete é o lado mais visível dessa realidade, que
viu a motocicleta se consolidar como
resposta economicamente viável à falência do Estado enquanto formulador e gestor de políticas de transporte
urbano. A ponto de ouvirmos, nas discussões apaixonadas dos últimos
dias, previsões -a um só tempo catastrofistas e ufanistas- de que o Congresso estaria a ponto de fazer a economia entrar em colapso, por inviabilizar o setor.
A propósito, o caso do motofrete
sintetiza a atitude esquizoide de grande parte da sociedade em relação a
motociclistas: o mesmo motorista
que reclama da hostilidade do motoboy no trânsito encomenda a pizza
que não lhe será cobrada se for entregue mais de meia hora depois, tempo
de viagem que só é cumprido se o entregador transgredir as regras de
trânsito. Mas esse já é outro assunto.
Uma manifestação dessa esquizoidia mais próxima do atual debate tem
a ver com o fato de que a motocicleta
requer uma distância maior do que o
automóvel para parar. Por isso, motociclistas precisam guardar mais distância do veículo à frente do que motoristas. Em condições de tráfego
denso, porém, os motoristas ocupam
o espaço de segurança que motociclistas tentam deixar, restando a estes
circular por onde os automóveis não
passam. Ou seja, motociclistas muitas
vezes são levados a andar "no corredor" pelos próprios motoristas.
Nada disso tira o valor do projeto de
lei 2.650/03, recém-aprovado na Câmara dos Deputados, que recupera o
espírito do texto original do CTB. Seu
maior valor é ter como base um projeto que foi amplamente debatido no
Congresso com participação de especialistas e outros representantes da
sociedade civil, diferentemente do
veto inspirado na percepção de algum
burocrata que frequentava o Palácio
do Planalto na época.
A viabilidade de fiscalizar o cumprimento da medida ganhou grande
destaque no debate, mas é um aspecto
de certa forma secundário. Digo isso
porque, antes de ser um código penal,
o CTB é um código de conduta (o artigo 56 está no capítulo 3º -Das normas
gerais de circulação e conduta), cujo
respeito depende mais da promoção
da cidadania e de valores éticos que
da penalização dos infratores.
Portanto, precisamos investir muito em programas de educação no
trânsito para promover um adequado
ambiente de convivência social. Afinal, a condição de implementação do
artigo 56 está uma década pior.
PAULO CESAR MARQUES DA SILVA, 47, doutor em
transportes pela Universidade de Londres (Inglaterra), é
professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental e do Programa de Pós-Graduação em Transportes
da UnB (Universidade de Brasília).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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