São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS E DEBATES

A indústria no desafio nacional

HORACIO LAFER PIVA

Se existe uma questão crucial que atrai todas as atenções hoje no país, é o inaceitável índice de desemprego, e parece-me apropriado relembrar, nesta data em que se comemora o Dia da Indústria, que os fundadores e pioneiros que lançaram as bases do nosso parque industrial, nos anos 20 e 30, já em sua época viam nas fábricas e nas oficinas o lugar certo para garantir crescentes e sólidos empregos aos brasileiros, como elo fundamental no círculo virtuoso da produção, consumo e investimento.
Hoje, esse parque industrial brasileiro é amplo, heterogêneo e alcança em alguns setores, em termos de competência de operação e de qualidade de produto, os níveis do Primeiro Mundo.
Não há razão para que o governo do presidente Lula não aposte no crescimento desse ativo já instalado para a solução dos dois problemas que vêm sufocando a expansão do mercado interno: a alta taxa de desemprego e a magra evolução do salário real. Isso exigirá que as atenções da equipe de governo se concentrem sobre as maneiras de encorajar o setor produtivo, em mãos privadas, a investir mais, a contratar mais, a pagar melhor os seus contratados.
Não será o tempo apenas que resolverá os nossos problemas de alto desemprego e de recuperação tímida dos salários reais. Tampouco se deseja que o governo volte a ser empresário ou eleve as suas despesas correntes ao conceder ganhos reais indiscriminados para o funcionalismo público e os aposentados. Ganhos reais em salários devem ser a contrapartida do aumento de produtividade na indústria, e essa precisará ser a direção geral do esforço do governo Lula ao refinar as disposições da nova política industrial que já anunciou.


A solução é privada. É o setor produtivo quem deve ser estimulado a contratar e a pagar salários mais altos


A solução é privada. É o setor produtivo quem deve ser estimulado a contratar e a pagar salários mais altos. Como fazê-lo sem ameaçar a competitividade (e a própria existência) das nossas empresas?
Uma linha de ação fundamental foi delineada na política industrial do governo. Ao objetivar o aumento da eficiência da economia, dá correta atenção para a questão da produtividade. Mas, como afirmei em recente artigo, "para que o benefício social dessa empreitada seja ainda maior, sugerimos ao governo que inclua em sua política industrial incentivos para alguns setores com grande potencial de geração de emprego, como a construção civil e a cadeia do agronegócio". Acrescento neste espaço a nossa preocupação com o financiamento do esforço de investimento que se exige do setor privado. Questão certamente associada a juros e mercado de capitais.
Experiência recente nos sugere o aumento dos incentivos para que trabalhadores e empresas invistam mais em qualificação e treinamento de pessoal. A recompensa viria através de maior remuneração média, mais segurança e estabilidade para os trabalhadores. E risco mais baixo de gargalo de recursos humanos para as empresas e o país, evitando uma desaceleração indesejável da incorporação de tecnologia e do próprio crescimento econômico.
Uma providência inicial seria alterar e flexibilizar a legislação trabalhista, estimulando o alongamento dos contratos de trabalho (atualmente, em média, 33% dos empregados do setor formal mudam de emprego a cada ano). Relações mais estáveis e duradouras favorecem investimentos em capital humano específico. É importante elevar ainda mais a oferta de cursos técnicos e profissionalizantes, familiarizando os participantes com tecnologia moderna e com as novas estruturas de gerência e de relações de trabalho.
Mas, na medida em que a produtividade não é explicada somente pela qualidade e pela quantidade dos recursos produtivos, políticas que objetivem o aumento do salário real deveriam ir além dos incentivos à poupança e ao investimento, treinamento e flexibilização da legislação trabalhista. Deveriam contemplar também reformas institucionais que eliminem barreiras à adoção de tecnologia, reduzam a corrupção e os entraves burocráticos, elevem a qualidade dos serviços públicos e de infra-estrutura e aumentem a confiança nos contratos. Estes são desafios bastante atuais e sobre os quais o governo deve se debruçar com atenção.
Acreditamos que o Brasil precisa de políticas públicas para a geração de emprego e para o aumento do salário real médio de nossa economia. O governo parece ter incluído esses dois desafios na sua agenda, mas não demonstra saber qual o papel que deve desempenhar. Se não admitir que a geração de emprego não mais passa diretamente pelo setor público, e que a recuperação do salário real deve caminhar junto com aumentos de produtividade, corre sério risco de decepção. Não chegará aonde deseja.
Neste Dia da Indústria, nós convidamos o governo Lula a definir e aperfeiçoar políticas públicas que encorajem novos saltos de produtividade por parte das empresas industriais. Como já aconteceu tantas vezes no passado, esses avanços do setor produtivo rapidamente repassarão seus benefícios para os salários e o emprego, colocando novamente o país na rota do crescimento.

Horacio Lafer Piva, 47, é o presidente da Federação e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp/Ciesp).


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