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ANTONIO DELFIM NETTO
De novo, o namoro cambial
O efeito mais perverso da manutenção de uma taxa de câmbio artificialmente valorizada é a desmontagem do aparelho exportador do país,
que vê sua participação no comércio
mundial (e as suas oportunidades de
crescimento) se dissiparem lentamente pela diminuição dos investimentos.
O Brasil tem sido vítima desse processo desde 1986. No período 1980/84, exportávamos tanto quanto a Coréia do
Sul e a China (em torno de US$ 22 bilhões anuais). Em 20 anos (1982-2002), nossas exportações cresceram
ridículos 5% ao ano contra 11% da Coréia e 15% da China! Em 2002, três
anos após a desvalorização do real imposta pelo mercado em 1999 (depois
de acumularmos US$ 180 bilhões de
déficit em conta corrente), a exportação brasileira voltou à vida. Expandiu-se 26% ao ano entre 2002-2004 contra
25% da Coréia e 35% da China.
O estrago feito pela manipulação do
câmbio no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso
foi monstruoso. No período de julho
de 1994 a dezembro de 1998, a taxa de
câmbio variou de um real por dólar
para 1,21 real por dólar, ou seja, 21%,
enquanto o IPCA variou de 100 para
170, ou seja, 70%. A valorização foi
sustentada por quatro anos de taxas
de juros reais de mais de 20%, aumentando a dívida pública. Em 31/12/02,
último dia do seu segundo mandato,
FHC entregou para Lula:
1) um país que cresceu apenas 2,3%
ao ano ao longo de oito anos;
2) uma relação dívida líquida do setor público/PIB da ordem de 56%,
quando a relação "virtuosa" é de 30%;
3) uma relação dívida externa líquida/exportação de bens e serviços de
3,0, quando a relação "virtuosa" é de
1,5;
4) uma relação amortização + juros/exportação de bens e serviços de
71%, quando a relação "virtuosa" é de
30%.
Essas relações estão hoje num nível
bem mais civilizado graças ao esforço
exportador e à aceleração do crescimento da economia em 2004. Foi o
aumento das exportações que reduziu
a "armadilha externa" construída ao
longo dos oito anos de FHC. Infelizmente, voltamos a namorar com a valorização cambial como instrumento
coadjuvante da redução da taxa de inflação. O que se obteve desde a brilhante vitória da política fiscal e monetária do governo Lula, entre janeiro e
maio de 2003, quando a inflação havia
voltado ao nível anterior de 7,5%
anuais, foi apenas a estabilização da
inflação. O efeito colateral continua a
ser um enorme custo da dívida para o
Tesouro Nacional.
Olhando os argumentos dos comentaristas "especializados", que garantem que o "câmbio não tem importância" na quantidade exportada ou
importada, não se pode deixar de aceitar a hipótese de que o Brasil tem um
certo prazer em ser enganado. Quando alguém diz a meia verdade de que o
"efeito câmbio é amenizado pelo aumento dos preços externos em dólares", esquece o "resto" da verdade:
mostrar que, se isso é aceitável para os
"básicos" e "semifaturados", é absolutamente falso para os "manufaturados", cujos preços externos cresceram
menos de 10% entre abril de 2002
(quando o câmbio nominal estava em
torno de R$ 2,5 por dólar) e janeiro de
2005. No mesmo período, o IPCA, que
é um indicador dos custos, cresceu
30%! Em 2004, os produtos manufaturados representaram 56% do valor
da exportações.
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
@ - dep.delfimnetto@camara.gov.br
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