São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Da ocupação ao debate: a educação em xeque

NATALIA RIBAS GUERRERO, DANIELA FERNANDES ALARCON e JOSÉ CALIXTO KAHIL COHON

Convidamos a comunidade acadêmica e o conjunto da sociedade para um debate amplo sobre a educação pública, em todos os níveis

É SOB ameaça de reintegração de posse violenta que os estudantes que ocupam a reitoria da USP escrevem este artigo. Apesar de o argumento da violência ter sido empregado para caracterizar o movimento, ressaltamos que se trata de um ato político. Por diversas vezes tentamos estabelecer um debate sobre o ensino superior público, mas só a ocupação possibilitou a interlocução dentro e fora da universidade. Passamos a negociar nossa pauta de reivindicações e, por meio da imprensa, a sociedade obteve informações que até então se encerravam no âmbito acadêmico.
A função social da universidade pública é desenvolver conhecimento crítico, por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Porém, ela não cumpre plenamente suas atribuições quando elitiza o acesso a seu espaço físico e a suas vagas -não garantindo políticas de ações afirmativas para afro-brasileiros e indígenas-, não implementa políticas de permanência estudantil suficientes e direciona prioritariamente pesquisa e extensão para as demandas do mercado em detrimento da maioria da população. O cenário se agrava pela estrutura de poder antidemocrática da USP.
Nossas reivindicações foram elaboradas a partir de carências estruturais cotidianas, expressas na falta de vagas para moradia, na precariedade dos prédios e equipamentos, na falta de professores. Em artigo nesta Folha, a reitora Suely Vilela cita o aumento do corpo discente nos últimos 20 anos, mas não fala sobre o número de professores contratados no período. Segundo o anuário estatístico da USP, entre os anos de 1995 e 2005, o número de estudantes subiu de 46.918 para 80.589, enquanto o corpo docente variou de 5.056 para 5.222. A disparidade é flagrante: um aumento de 71,76% contra um de 3,28%.
Em outro artigo nesta Folha, José Arthur Giannotti caracteriza o direito à moradia estudantil como exigência de um movimento "nitidamente pequeno-burguês". Ignora que políticas de permanência estudantil são indispensáveis para que classes sociais de baixa renda possam estudar em uma universidade pública. Hoje, mais da metade dos estudantes que atendem às condições do perfil socieconômico requisitado para acesso à moradia não tem seu direito assegurado.
Há anos o movimento estudantil denuncia o processo de precarização da educação pública. O estopim dessa crise foi a promulgação dos decretos do governador Serra. Ao contrário dos reitores, a comunidade acadêmica está esclarecida quanto ao ataque que tais medidas representam à autonomia da universidade, colocando-a a serviço de "pesquisas operacionais" que visam beneficiar o interesse de empresas privadas, sobrepondo-se a interesses públicos. Abordaremos aqui pontos específicos que têm sido debatidos de forma fragmentária, imprecisa ou até falaciosa.
Um dos decretos dispõe sobre a inclusão das universidades no Siafem (Sistema Integrado de Administração Financeira para Estados e Municípios). As universidades já publicizavam sua movimentação financeira, inclusive no Siafem, mensalmente. O governo do Estado diz que a prestação de contas diária aprimora a transparência e acusa indevidamente os estudantes de se oporem a isso.
Ao questionar a medida, esclarecemos que a entrada das universidades no Siafem condiciona o remanejamento de verbas interno à autorização do governador. De acordo com Pinotti, secretário de Ensino Superior, esse remanejamento, nos próximos anos, dependerá de uma "negociação entre a área econômica do governo e as universidades". Dessa forma, as universidades têm a perspectiva de ter suas prioridades ditadas por um projeto político circunstancial, de cunho privatista, em oposição a um planejamento de longo prazo, fundamental para a efetivação de um projeto de universidade pública.
Defendemos que a sociedade tenha acesso amplo a dados sobre verba pública. A publicidade das contas, porém, não pode ser encarada como a única possibilidade de garantir que o dinheiro seja gasto de forma condizente com o interesse público. O governo que cobra transparência é o mesmo que deixou de divulgar a previsão e a arrecadação do ICMS dos meses de março e abril deste ano.
Trata-se de uma grave negligência, já que o ICMS constitui a principal fonte de arrecadação do Estado. Convidamos a comunidade acadêmica e o conjunto da sociedade para um debate amplo sobre a educação pública, em todos os níveis. Estudantes, professores e funcionários estão em greve não só contra os decretos mas também em defesa de direitos sociais inalienáveis, essenciais para a emancipação da sociedade.
PS: Os estudantes que assinam este artigo só se identificam individualmente por exigência desta Folha. O texto manifesta um debate coletivo e foi referendado por uma plenária.


NATALIA RIBAS GUERRERO, 22, e DANIELA FERNANDES ALARCON, 22, estudantes de jornalismo, e JOSÉ CALIXTO KAHIL COHON, 24, estudante de filosofia, são alunos da USP.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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