São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

Próximo Texto | Índice

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Nasce uma sigla

A União de Nações Sul-Americanas, criada em reunião de cúpula anteontem, tem sentido puramente retórico

NÃO BASTASSE o hábito de recorrer abusivamente a medidas provisórias na política nacional, o governo Lula parece disposto a exportar o modelo para o contexto sul-americano.
Seria difícil argumentar, usando os termos que justificam a emissão de MPs, que é "urgente" ou mesmo "relevante" a criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), vaga entidade internacional que acaba de vir ao mundo em reunião de cúpula realizada na última sexta-feira, em Brasília.
Ainda assim, o Brasil julgou importante incluir no documento final do encontro um artigo segundo o qual a nova organização começa a funcionar imediatamente, mesmo sem ter o aval dos Legislativos de seus países-membros. "Funcionar", no caso, é apenas força de expressão.
Antes mesmo de instituída oficialmente, a Unasul já perdera seu secretário-geral, o equatoriano Rodrigo Borja, que critica a estrutura da entidade.
Trata-se, segundo Borja, mais de uma "estrutura de fórum" do que de uma "instituição orgânica". Já o ministro Celso Amorim prefere caracterizá-la com nebuloso otimismo diplomático: "uma institucionalidade está sendo criada", declarou.
Há, sem dúvida, o efeito simbólico de enaltecer-se o objetivo da unidade entre os países sul-americanos e a intenção de acenar com alguma autonomia regional perante a OEA (Organização dos Estados Americanos), cujo pecado, para um certo nacionalismo, é o de contar com a presença dos Estados Unidos.
A reunião de Brasília ocorre, de qualquer modo, num momento em que esse ideal sul-americano se mostra ao mesmo tempo necessário e de difícil concretização, mesmo que apenas no plano das formalidades institucionais.
Na esfera econômica, o significado da Unasul é dos mais tênues. Países como Peru e Chile têm acordos de livre-comércio com os Estados Unidos, o que dificulta a idéia de constituir um bloco sul-americano capaz de atuar de modo consistente.
Na questão da segurança, acumulam-se dificuldades ainda maiores. A criação de um Conselho Sul-Americano de Defesa, inicialmente prevista para a reunião desta sexta-feira, foi adiada, optando-se por criar um grupo de trabalho encarregado de analisá-la nos próximos 90 dias.
Não chega a ser uma má notícia, dada a superfluidade da iniciativa; no caso em que a colaboração entre países sul-americanos se mostra mais premente, o do combate ao narcoterrorismo, não há perspectivas de acordo entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Alvaro Uribe, da Colômbia. Este já se manifestou contrário ao Conselho, que de resto viria superpor-se a uma quantidade de outros organismos já existentes.
Feitas as contas, o resultado da cúpula é próximo de zero. A não ser, claro, que se considere o modelo de legislar por medidas provisórias uma contribuição valiosa que o governo brasileiro tem a oferecer para os padrões da democracia no continente.


Próximo Texto: Editoriais: Reforma ortográfica

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.