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Nasce uma sigla
A União de Nações
Sul-Americanas, criada em reunião de cúpula anteontem, tem sentido puramente retórico
NÃO BASTASSE o hábito
de recorrer abusivamente a medidas provisórias na política nacional, o governo Lula parece
disposto a exportar o modelo para o contexto sul-americano.
Seria difícil argumentar, usando os termos que justificam a
emissão de MPs, que é "urgente"
ou mesmo "relevante" a criação
da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), vaga entidade internacional que acaba de vir ao
mundo em reunião de cúpula
realizada na última sexta-feira,
em Brasília.
Ainda assim, o Brasil julgou
importante incluir no documento final do encontro um artigo
segundo o qual a nova organização começa a funcionar imediatamente, mesmo sem ter o aval
dos Legislativos de seus países-membros. "Funcionar", no caso,
é apenas força de expressão.
Antes mesmo de instituída oficialmente, a Unasul já perdera
seu secretário-geral, o equatoriano Rodrigo Borja, que critica a
estrutura da entidade.
Trata-se, segundo Borja, mais
de uma "estrutura de fórum" do
que de uma "instituição orgânica". Já o ministro Celso Amorim
prefere caracterizá-la com nebuloso otimismo diplomático:
"uma institucionalidade está
sendo criada", declarou.
Há, sem dúvida, o efeito simbólico de enaltecer-se o objetivo
da unidade entre os países sul-americanos e a intenção de acenar com alguma autonomia regional perante a OEA (Organização dos Estados Americanos),
cujo pecado, para um certo nacionalismo, é o de contar com a
presença dos Estados Unidos.
A reunião de Brasília ocorre, de
qualquer modo, num momento
em que esse ideal sul-americano
se mostra ao mesmo tempo necessário e de difícil concretização, mesmo que apenas no plano
das formalidades institucionais.
Na esfera econômica, o significado da Unasul é dos mais tênues. Países como Peru e Chile
têm acordos de livre-comércio
com os Estados Unidos, o que dificulta a idéia de constituir um
bloco sul-americano capaz de
atuar de modo consistente.
Na questão da segurança, acumulam-se dificuldades ainda
maiores. A criação de um Conselho Sul-Americano de Defesa,
inicialmente prevista para a reunião desta sexta-feira, foi adiada,
optando-se por criar um grupo
de trabalho encarregado de analisá-la nos próximos 90 dias.
Não chega a ser uma má notícia, dada a superfluidade da iniciativa; no caso em que a colaboração entre países sul-americanos se mostra mais premente, o
do combate ao narcoterrorismo,
não há perspectivas de acordo
entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Alvaro Uribe, da Colômbia. Este já se manifestou contrário ao Conselho,
que de resto viria superpor-se a
uma quantidade de outros organismos já existentes.
Feitas as contas, o resultado da
cúpula é próximo de zero. A não
ser, claro, que se considere o modelo de legislar por medidas provisórias uma contribuição valiosa que o governo brasileiro tem a
oferecer para os padrões da democracia no continente.
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