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CARLOS HEITOR CONY
Tempos modernos
RIO DE JANEIRO - No meio do
trânsito, o motorista diminuiu a
marcha do carro, que ficou reduzido à velocidade de um pedestre. Estranhei a mudança, ele me apontou
um esquisito negócio pendurado no
poste mais próximo e informou: "É
o "Big Brother'".
A expressão pegou graças ao famoso romance de George Orwell
("1984"), que virou série em TVs de
todo o mundo, representando a
perda de privacidade dos cidadãos
que ficam dispostos e expostos ao
olho implacável de uma câmera ligada ao estado-maior ou ao Grande
Irmão que patrulha todas as ações
da sociedade.
A primeira referência a esse tipo
de poder universal não é de George
Orwell nem de seu livro, publicado
em 1949. Antes dele, em 1935,
Charles Chaplin, em "Tempos Modernos", já mostrava a potencialidade da tecnologia na guarda dos
valores da classe dominante sobre o
resto da manada.
O operário Carlitos, estressado
na esteira de montagem de uma fábrica monstruosa, onde aperta parafusos alucinadamente, pede ao
capataz de seu setor a licença para
ir ao banheiro. Mal entra ali, numa
imensa tela que ocupa toda a parede, aparece em "close" o dono da fábrica, de cara amarrada, que o recrimina com aspereza, ordenando-lhe
que retorne imediatamente ao trabalho: a produção não pode parar.
O filme de Chaplin continua sendo a crítica mais contundente aos
tempos modernos, mas nada tem
de reacionário, pelo contrário: em
alguns países, foi proibido por ser
propaganda comunista.
Embora nunca tenha confessado,
esta cena foi o ponto de partida para
Orwell criar o Big Brother, cuja amplitude é maior, universal. Na Idade
Média, quando a tecnologia da época era bem mais primitiva, os anacoretas e ascetas colocavam em
suas tendas ou celas um cartaz com
o aviso: "Deus me vê!".
Dá mais ou menos no mesmo.
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