São Paulo, domingo, 25 de maio de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Tempos modernos

RIO DE JANEIRO - No meio do trânsito, o motorista diminuiu a marcha do carro, que ficou reduzido à velocidade de um pedestre. Estranhei a mudança, ele me apontou um esquisito negócio pendurado no poste mais próximo e informou: "É o "Big Brother'".
A expressão pegou graças ao famoso romance de George Orwell ("1984"), que virou série em TVs de todo o mundo, representando a perda de privacidade dos cidadãos que ficam dispostos e expostos ao olho implacável de uma câmera ligada ao estado-maior ou ao Grande Irmão que patrulha todas as ações da sociedade.
A primeira referência a esse tipo de poder universal não é de George Orwell nem de seu livro, publicado em 1949. Antes dele, em 1935, Charles Chaplin, em "Tempos Modernos", já mostrava a potencialidade da tecnologia na guarda dos valores da classe dominante sobre o resto da manada.
O operário Carlitos, estressado na esteira de montagem de uma fábrica monstruosa, onde aperta parafusos alucinadamente, pede ao capataz de seu setor a licença para ir ao banheiro. Mal entra ali, numa imensa tela que ocupa toda a parede, aparece em "close" o dono da fábrica, de cara amarrada, que o recrimina com aspereza, ordenando-lhe que retorne imediatamente ao trabalho: a produção não pode parar.
O filme de Chaplin continua sendo a crítica mais contundente aos tempos modernos, mas nada tem de reacionário, pelo contrário: em alguns países, foi proibido por ser propaganda comunista.
Embora nunca tenha confessado, esta cena foi o ponto de partida para Orwell criar o Big Brother, cuja amplitude é maior, universal. Na Idade Média, quando a tecnologia da época era bem mais primitiva, os anacoretas e ascetas colocavam em suas tendas ou celas um cartaz com o aviso: "Deus me vê!".
Dá mais ou menos no mesmo.


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