São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Fale, Palocci

JOSÉ CARLOS DIAS


Parece inquestionável que um homem público deva prestar contas à opinião pública, para que não pairem dúvidas quanto à sua honorabilidade

Incluo-me entre os que, não tendo votado na presidente Dilma, torcem por ela por torcer pelo Brasil. Não quero, portanto, deixar de expressar minha inquietação quanto ao rumo que está tomando o caso Palocci e a falta de esclarecimento sobre o enriquecimento de seu patrimônio nos últimos anos.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, segundo esta Folha (24/5), disse não ver razão para que se duvide do ministro Antonio Palocci. Na véspera, afirmara que a Polícia Federal não iria investigar os fatos. Isto porque, hierarquicamente, a PF está subordinada ao Ministério da Justiça.
É extremamente preocupante ouvir de um constitucionalista, como é o ministro da Justiça, assim como outros políticos o fizeram, que nada há a ser explicado.
Não se está afirmando que Palocci teria praticado crime e deva ser punido, não se está a dizer que nódoas do passado devem estimular presunção de malversação criminosa de dinheiro. O que parece inquestionável é que um homem público deva prestar contas à opinião pública, para que não pairem dúvidas quanto à sua honorabilidade, quanto à origem legítima de seus haveres, para que a empresa Projeto, de propriedade do ministro, não possa vir a ser comparada à EPC, de PC Farias, que se apresentava como uma empresa de consultoria destinada a alimentar o esquema de corrupção do governo Collor.
Se a Projeto prestou serviços, claro está que deve ter declarado seus rendimentos à Receita Federal. Não há como alegar confidencialidade quando o interesse público prevalece. Se a atividade exercida por Palocci por meio de empresa de consultoria se revestiu de caráter ético ou não, se houve prática de lobby vedado, se houve quebra de princípio de natureza deontológica ou se a ilicitude alcançou tipicidade penal, são questões que precisam ser esclarecidas de forma cabal.
Nem se está a exigir que se esmiúce o que há de estritamente confidencial nos serviços que teriam sido prestados pela Projeto, mas que se esclareça para quais empresas prestou serviços e quais os proventos auferidos. Não se está pedindo a revelação de fatos que integram o universo da intimidade.
Palocci ocupa o mais importante cargo no governo Dilma. Segundo divulgado, o montante de R$ 20 milhões teria sido recebido quando era deputado, metade quando coordenava a campanha e a outra após a eleição presidencial, fatos que merecem investigação.
A presidente tem dado mostras de ser discreta e firme. Deve, pois, determinar que a nação seja esclarecida. É seu dever; perante a República não há segredos. Temos direito de saber, desconfiar, indagar.
Não se trata de lembrar o aforismo do benefício da dúvida favorecendo o réu. Palocci não é réu, pelo menos por ora. A dúvida é extremamente prejudicial ao próprio ministro porque suscita suspeitas, precipita ilações. Estamos, por enquanto e pelo menos, num processo político em que se espera do político transparência nos seus atos.
Tomara que tudo se esclareça o quanto antes. O tempo passa, as marolas vão crescendo e isso positivamente não é bom para ninguém.
No âmbito do Legislativo, do Ministério Público e da PF, não há porque eximir-se o Estado de descobrir o que está por trás do pano.
Não se concebe que o ministro da Justiça exclua a PF do papel de investigar. Se é indiscutível que, no plano funcional, está hierarquicamente subordinada à Justiça, deve ser preservada sua função constitucional de apuração de delitos.
Se o ministro Palocci é honesto, e torcemos para que seja, tem que parecer ser honesto. Que mostre à nação que merece confiança. Que mostre as cartas, abra o jogo... Fale, Palocci. Torcemos para que o jogo seja limpo, porque todos nos beneficiaremos com isto.

JOSÉ CARLOS DIAS, advogado criminal, foi ministro da Justiça no governo FHC e secretário da Justiça no governo de André Franco Montoro, em São Paulo.

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