|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO RODRIGUES
Contar até dez
BRASÍLIA - Cerca de 15 mil pessoas se acotovelaram no Rio por algumas
vagas de gari. Só estava convocado
quem tivesse nome começando pelas
letras "A" e "B". Havia gente com
curso superior. Salário: R$ 610.
O episódio é emblemático. Há na
história exemplos de como a situação
econômica pressionou a atuação política do governo.
A crise do final dos anos 70 contribuiu para o enterro do governo militar. Surgiu então o novo sindicalismo
no ABC. O PT veio em seguida.
Em 1986, José Sarney fez o Plano
Cruzado. Houve uma sensação de
alívio imediato por um tempo. Depois, o caos. Nesse cenário, Fernando
Collor foi eleito em 89. Confiscou o
dinheiro depositado nos bancos.
Apesar de absurdo, o Plano Collor
fez a inflação cair. Deu um certo refresco momentâneo para a população. Era ilusão. O impeachment encerrou esse ciclo.
Com FHC, veio o Plano Real em 94.
Novamente uma sensação forte de
bem-estar quase instantâneo. O preço do pãozinho estacionou.
O artificialismo ficou evidente em
98, com a reeleição do tucano. Constatou-se ser uma loucura o real estar
cotado em um dólar. Ato contínuo,
Lula elegeu-se presidente.
O petista anuncia um espetáculo de
crescimento. O superministro José
Dirceu culpa a "herança maldita"
pelo atraso. Esse é o pastel de vento
oferecido, e a popularidade presidencial fica nas alturas. Enquanto isso, o
desemprego dispara e advogados tentam uma vaga de gari no Rio.
Ontem, Lula usou uma de suas frases de gosto duvidoso para explicar a
volta do crescimento. Disse ter aprendido a "contar até dez, apesar de só
ter nove dedos".
Essa retórica popular está alicerçada em pesquisas e no carisma do presidente. Funciona. Mas tem um prazo de validade.
Os 15 mil quase se matando no Rio
para serem garis já representam uma
parcela da população pouco disposta
a contar até dez. É um aviso.
Texto Anterior: São Paulo - Clóvis Rossi: Quando o lixo é um luxo Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: O segredo da confissão Índice
|