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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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FERNANDO RODRIGUES

Contar até dez

BRASÍLIA - Cerca de 15 mil pessoas se acotovelaram no Rio por algumas vagas de gari. Só estava convocado quem tivesse nome começando pelas letras "A" e "B". Havia gente com curso superior. Salário: R$ 610.
O episódio é emblemático. Há na história exemplos de como a situação econômica pressionou a atuação política do governo.
A crise do final dos anos 70 contribuiu para o enterro do governo militar. Surgiu então o novo sindicalismo no ABC. O PT veio em seguida.
Em 1986, José Sarney fez o Plano Cruzado. Houve uma sensação de alívio imediato por um tempo. Depois, o caos. Nesse cenário, Fernando Collor foi eleito em 89. Confiscou o dinheiro depositado nos bancos.
Apesar de absurdo, o Plano Collor fez a inflação cair. Deu um certo refresco momentâneo para a população. Era ilusão. O impeachment encerrou esse ciclo.
Com FHC, veio o Plano Real em 94. Novamente uma sensação forte de bem-estar quase instantâneo. O preço do pãozinho estacionou.
O artificialismo ficou evidente em 98, com a reeleição do tucano. Constatou-se ser uma loucura o real estar cotado em um dólar. Ato contínuo, Lula elegeu-se presidente.
O petista anuncia um espetáculo de crescimento. O superministro José Dirceu culpa a "herança maldita" pelo atraso. Esse é o pastel de vento oferecido, e a popularidade presidencial fica nas alturas. Enquanto isso, o desemprego dispara e advogados tentam uma vaga de gari no Rio.
Ontem, Lula usou uma de suas frases de gosto duvidoso para explicar a volta do crescimento. Disse ter aprendido a "contar até dez, apesar de só ter nove dedos".
Essa retórica popular está alicerçada em pesquisas e no carisma do presidente. Funciona. Mas tem um prazo de validade.
Os 15 mil quase se matando no Rio para serem garis já representam uma parcela da população pouco disposta a contar até dez. É um aviso.


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