São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Quanto vale um juiz?

PAULO DIMAS DE BELLIS MASCARETTI


É justo defender a melhoria dos salários dos professores. Mas por que isso passaria pela indicação de exagero na remuneração dos juízes?


NO DIA 3 de julho, os leitores deste respeitado jornal se depararam, nesta seção "Tendências/Debates", com o artigo "Luta de classes", de autoria do cientista político Eduardo Graeff, difundindo a necessidade de proporcionar melhor remuneração aos professores.
Para respaldar sua proposição, Graeff traçou uma comparação entre os ganhos dos juízes norte-americanos e o subsídio dos magistrados brasileiros, apontando que estes são mais bem remunerados. Anota, então, que nossos professores não têm a mesma sorte. Prosseguiu seu raciocínio realçando que a Justiça brasileira presta um serviço incompatível com esse investimento de Primeiro Mundo.
Inicialmente, saliente-se que o pleito que ensejou o artigo é mais que justo. Sob esse ponto de vista, não há o que discutir. Digo isso com extremo conhecimento de causa: além de magistrado, sou professor. Tenho plena ciência das responsabilidades de ambas as carreiras e reconheço a relevância das funções desempenhadas pelos profissionais de cada uma delas.
É inaceitável, contudo, que a pertinente defesa da melhoria dos salários dos nossos professores passe pela indicação de que há exagero na remuneração dos juízes, máxime a partir da despropositada comparação com os togados norte-americanos, que vivem realidade diversa em termos de poder aquisitivo, estrutura e volume de trabalho.
Na verdade, os magistrados são os guardiões do cumprimento estrito das garantias constitucionais, decidindo questões de repercussão nacional, temas complexos, de grande importância para a sociedade como um todo. Diariamente, confrontam fortes pressões que, muitas vezes, significam desagradar o poder político e econômico. Os concursos de ingresso são extremamente difíceis e extenuantes, de modo a recrutar os melhores profissionais do mercado. Nesse sentido, inegável que é necessário ter nos quadros da magistratura pessoas vocacionadas e bem preparadas. Registre-se que o exercício da judicatura não admite brechas para a corrupção; remuneração incompatível com a alta carga de responsabilidade dá abertura para isso. Ademais, qualquer comparação salarial deve ser feita com os profissionais de ponta da área jurídica.
Questiono, a propósito, por que o sociólogo escolheu para a comparação o magistrado, e não um congressista, cujo subsídio também é expressivo, mas a produtividade, nem tanto.
Em contrapartida, estudo realizado pelo Banco Mundial e divulgado em novembro de 2007 no seminário Perspectivas para a Justiça Brasileira, promovido pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) em parceria com o STF (Supremo Tribunal Federal), dá conta de que o Judiciário brasileiro é um dos mais produtivos do mundo. A instituição concluiu que a média de ações ajuizadas no Brasil é alta para a América Latina, e a carga de processos em alguns tribunais está acima das médias internacionais.
Na oportunidade, a co-autora do trabalho, Linn Hammergren, gerente de projetos do Bird, afirmou que os juízes brasileiros vêm dando muitas e boas respostas à sociedade, ressalvando que grande parte dos problemas enfrentados, como a lentidão dos processos, não diz respeito à atuação do Judiciário, mas sim a falhas do sistema judicial como um todo. Assim como o sociólogo, também me respaldarei em números para fundamentar essa constatação. A título de exemplo, só em abril deste ano, a Justiça estadual paulista recebeu quase 500 mil novas ações; mais de 17,7 milhões de processos estão em andamento em todo o Estado. Nesse mês, na primeira instância, foram registradas cerca de 341 mil sentenças e realizadas 147 mil audiências; o Tribunal do Júri realizou 570 sessões; houve cerca de 15 mil acordos nos juizados especiais cíveis. Em segundo grau, ou seja, no Tribunal de Justiça paulista, foram registrados, só em maio de 2008, em torno de 38 mil acórdãos. Uma demanda de trabalho suntuosa para pouco mais de 1.800 juízes e 356 desembargadores.
E essa elevada produtividade poderia ser ainda maior se não só contássemos com um número maior de juízes como dispuséssemos de um investimento maciço em infra-estrutura (funcionários, tecnologia, recursos materiais, estrutura física etc.).
Graeff sugere que, para suprir essas deficiências, o ideal seria reduzir os subsídios do juiz. Faz sentido? Realmente é preciso investir em educação, assim como no Judiciário.
Professores e juízes são profissionais que contribuem decisivamente para uma sociedade mais justa, sem tantas disparidades. Mas não entendemos necessário diminuir os salários, por exemplo, dos médicos para alcançar condigna remuneração dos quadros da magistratura ou do magistério.


PAULO DIMAS DE BELLIS MASCARETTI é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e 1º vice-presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados).


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