São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Reformando lá, e aqui?
ROBERTO LUIS TROSTER
Passado o tsunami financeiro, especialistas do mundo inteiro são unânimes em afirmar que um bom sistema bancário é fundamental para o desenvolvimento. Todos fizeram a mesma pergunta: "O que poderia ser melhorado?". A resposta mais contundente veio dos Estados Unidos: seu projeto de reforma tem mais de 2.000 páginas, com melhorias no controle do risco e a criação de uma agência para a proteção ao consumidor financeiro, a inovação mais comentada do projeto. O novo órgão terá independência e autoridade. Fixará regras exigindo mais transparência dos produtos financeiros, coibirá abusos e evitará os empréstimos predatórios, responsáveis pela crise na economia norte-americana. O objetivo da reforma é construir base sólida para um crescimento sem sustos do crédito e do país. No Brasil, a avaliação da crise foi superficial e com um tom ufanista, proclamando a solidez do sistema financeiro nacional. A bem da verdade, considerando que aqui não havia exposição aos derivativos que originaram as dificuldades no exterior, não havia razão para ter problemas. Seria uma surpresa se fosse o contrário. O ponto principal dos debates, "o que poderia ser melhorado?", foi ignorado e a criação de agência semelhante à norte-americana nem sequer foi discutida publicamente. É fato, o sistema financeiro brasileiro é sólido, sofisticado e tem abrangência nacional. Entretanto, a sua utilização é baixa. Ilustrando o ponto, mais da metade do crédito pessoal é do consignado de funcionários públicos; uma pesquisa do Sebrae aponta que apenas 12% das pequenas e médias empresas usam financiamento de bancos, enquanto 45% usam o cheque pré-datado. São números que incomodam. Além de baixa, as estatísticas mostram que a relação crédito/PIB para esses pequenos tomadores está praticamente estagnada. A expansão atual dos financiamentos é dos grandes. É paradoxal, pois é a base da pirâmide que deveria apresentar o maior crescimento, e é ela o que dá mais sustentabilidade à economia. A criação no Brasil de uma agência inspirada na norte-americana poderia melhorar o quadro acima; complementaria a atividade dos Procons, do Idec e do Banco Central, fomentando o crédito responsável, padronizando produtos e corrigindo distorções existentes. Deveria ter como objetivo uma atuação equilibrada, protegendo consumidores, criando condições adequadas para oferta segura de crédito e promovendo melhorias institucionais na intermediação. A política atual de "deixar como está para ver como é que fica" é inconsequente, e o que está acontecendo no resto do mundo deveria servir de alerta. Lembrando que a solidez de um sistema bancário vem da composição de seus balanços, bem como da base econômica subjacente, em que o crédito é um dos pilares. ROBERTO LUIS TROSTER, 59, é doutor em economia pela USP. Foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.
E-mail: robertotroster@uol.com.br. Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Abdenur: Brasil-Irã: como fazer amigos e dar-se mal Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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