São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

A língua da serpente

RIO DE JANEIRO - Li que, na Inglaterra, estão pensando em criar um filtro para controlar a comunicação pela internet -que está sendo acusada de incentivar distúrbios e distorções que prejudicam a sociedade e os cidadãos. Não deixa de ser uma tentativa de censura, mas o furo é mais em cima.
Nas antologias escolares de antigamente havia sempre um pequeno poema de Fagundes Varela que toda uma geração decorava. O poeta perguntava qual era a mais forte, a mais letal das armas e respondia: a língua humana. Nem mesmo com o arsenal nuclear de hoje a língua perdeu a "pole position" na escala da destruição de que é capaz.
Tudo começa lá atrás. Se dermos crédito à fábula bíblica, foi a língua da serpente que expulsou Adão e Eva do Éden, donde podemos concluir que, se a serpente não tivesse língua, ainda hoje estaríamos no paraíso terrestre.
A tecnologia ampliou a malignidade da língua, tudo se pode fazer com ou por meio dela. Não adianta o tal filtro dos ingleses, que pode, no máximo, controlar a pirataria dos veículos audiovisuais, mas jamais controlará a língua daquelas comadres machadianas, patuscas e atentas nas janelas, vigiando a vida dos vizinhos. Isso sem falar na língua de economistas, políticos, formadores de opinião, técnicos de futebol e, naturalmente, todos os tiranos que, periodicamente, ajudam a desgraçar a humanidade.
Em Roma, no início do fascismo, Mussolini (que era bom de lábia) perguntou ao povo reunido na piazza Venezia: "Quereis manteiga ou canhão?". O povo respondeu: "Canhão!". Hitler e Stálin não fizeram por menos.
Ainda bem que Hamlet concordava em parte com Fagundes Varela, quando encerrou seu dilema dizendo que "o resto é silêncio". Houvesse silêncio no mundo, sem as comadres machadianas e se as serpentes não tivessem língua, as coisas estariam melhores.


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