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ANTONIO DELFIM NETTO
A doutrina Bush-Köhler
Na semana passada, duas colocações de pessoas de altíssima responsabilidade na manutenção da "ordem mundial" causaram perplexidade. A primeira foi a apresentação da
chamada "Estratégia de Segurança
Nacional dos Estados Unidos", que
todo presidente tem a obrigação de
apresentar ao Congresso. A nova doutrina difere radicalmente das anteriores e envolve um perigoso processo de
avaliação, altamente subjetivo, das intenções do mundo em relação aos Estados Unidos.
No fundo, a doutrina "Bush" se resume a dois pontos fundamentais: 1)
os EUA "nunca mais permitirão que
outro país desafie a sua superioridade
militar, como aconteceu com a extinta
União Soviética". O país está agora
ameaçado menos pelos países fortes
do que pelos mais fracos devido à maligna combinação do radicalismo com
a moderna tecnologia; 2) os EUA não
podem mais (como sempre fizeram
no passado) confiar apenas na sua capacidade de reação -agora têm de
impedir que seus inimigos ataquem
primeiro.
Como é evidente, essas duas premissas tiram do centro das decisões político-militares norte-americanas todos
os organismos internacionais.
No máximo, eles podem fazer o papel de ratificadores das decisões unilaterais tomadas pelo poder norte-americano cada vez que, correta ou incorretamente, ele interpretar o comportamento de um país como ameaça à
sua superioridade militar. Se não ratificarem a ação, os organismos perderão sua "significância" e seu "financiamento". A burocracia internacional
pode viver bem sem a primeira, mas
não sem o segundo...
Não menos agressiva (e talvez não-independente dessa doutrina "Bush")
foi a surpreendente declaração do superburocrata encarregado de manter
a "ordem no mercado financeiro internacional". O sr. Horst Köhler, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional, fez uma espantosa declaração ao "International Herald Tribune". Segundo ele, uma guerra dos
EUA contra o Iraque poderá ter efeitos positivos (sic) para a economia
global -"se a ação for rápida e restrita
ao Iraque, o impacto econômico será
pequeno e poderá haver, inclusive,
efeitos positivos, porque a situação ficará mais clara".
Mais clara para quem? Para os investidores internacionais! Segundo o sr.
Köhler, a "ameaça latente da guerra
EUA-Iraque torna a situação indefinida, o que deixa os investidores hesitantes". A amoralidade do "mercado"
financeiro, que, mesmo à custa de milhões de mortos, comemoraria uma
guerra "rápida" e "asséptica" que eliminasse a situação indefinida que deixa os investidores hesitantes, nunca
foi tão flagrante e indecente... Mas o sr.
Köhler é cuidadoso: "Se o conflito se
prolongar", afirma ele, "haveria o risco da imprevisibilidade", prejudicando o funcionamento do "mercado financeiro"...
Talvez a doutrina "Bush-Köhler"
não seja tão imoral como parece à primeira vista. Bush afirmou que quem
quiser competir com os EUA no campo não-militar será respeitado. E Köhler, como bom burocrata, apressou-se em declarar que "não estava recomendando a guerra, mas apenas analisando, cientificamente, as suas consequências para o mercado". Ah, bom!...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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