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São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os equívocos do presidente Bush

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A invasão do Iraque foi um monumental engano. Os americanos venceram uma batalha (destruíram o Iraque), mas estão perdendo a guerra (implantar uma democracia naquele país).
Por absoluto desconhecimento dos valores da civilização árabe, de seus costumes e cultura, no melhor estilo dos filmes de "far west", a nação americana, liderada por um cidadão de mentalidade belicosa e de cultura limitada, está hoje vendo, dia após dia, crescer a opinião mundial contra a invasão sem motivos e a desorganização do Iraque -e, o que é pior, até justificando os dramáticos atentados terroristas contra as tropas americanas invasoras e, infelizmente, contra os representantes da ONU, que nenhuma responsabilidade tiveram no tresloucado ato.
A ONU foi contrária à invasão e à falta de provas da existência de armas de destruição em massa, que, aparentemente, só existiram -para dizer o melhor- na imaginação torturada do presidente americano.


Paga, a nação americana, com a morte de seus filhos, por ter seguido a ordem desvairada de seu presidente


Paga, a nação americana, um preço diário de morte de seus filhos, por ter seguido a ordem desvairada de seu presidente, além de pagar o preço da recessão e do incorreto direcionamento para a guerra de recursos que poderiam ser destinados à economia e aos programas sociais e que, em vez disso, estão sendo enterrados no Iraque. O mundo sente o peso da estagnação americana e de sua falta de liderança, sendo os países emergentes os que mais sofrem com a paralisação de sua economia. Mais do que isso, todavia, perde a humanidade seu maior valor, que é o respeito pela dignidade humana, que, decididamente, as tropas americanas e o tribunal penal (internacional) estadunidense, sem direito à ampla defesa, não concorrem para preservar.
O novo atentado contra a embaixada da ONU tem uma mensagem clara. Da mesma forma que os Estados Unidos não tolerariam a invasão de seu território por tropas estrangeiras, os iraquianos -independentemente de apoiarem ou não o sanguinário ditador Saddam Hussein- não estão tolerando que seu território esteja invadido por um exército inimigo. E, como não têm as armas e o potencial militar americanos, doam -em sua extremada concepção- a própria vida para atingir os invasores e seus aliados, nesses atentados, sem perceber que a ONU não é parceira dos EUA, mas do próprio Iraque, pretendendo ajudá-lo a se recuperar dos imensos estragos que a guerra de uma força só ocasionou.
Em outras palavras, exclusivamente por uma questão de "falsa honra", os Estados Unidos continuam a dizer que destruíram o Iraque para implantar uma democracia, sabendo que todos os países árabes com que mantêm relacionamento (Kuwait, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Omã etc.) não são uma democracia e não pretendem ser.
O grande problema, porém, é que Bush está, ao adotar a técnica incorreta de combater o terrorismo pela violência, gerando um espírito nacionalista árabe antiamericano e unificando as diversas culturas do caleidoscópio daquela região num sentimento antiocidental. E, como disse o general Meira Mattos, em artigo para esta coluna ("O cenário estratégico do Oriente Médio", 26/8/ 03), no momento em que a dinastia da Arábia Saudita cair, problemas maiores poderão impactar o ocidente, entre os quais o terrorismo indesejado não será o maior, mas sim aqueles econômicos e políticos decorrentes.
Estou convencido de que, se bem aconselhados, deveriam os Estados Unidos passar para a ONU a administração iraquiana, colaborando com recursos para reconstruir o que suas tropas destruíram. Seria, ainda, o mal menor. Caso contrário, avizinha-se um Vietnã, com a única diferença de que, economicamente, a região é importante para o mundo -o que o Vietnã não era.
E, à evidência, não foi o vazio e preconceituoso discurso proferido na ONU pelo primeiro mandatário americano capaz de mudar a sensação da opinião pública mundial de que estava errado e continua errando. A prova inequívoca é o general Clark já o ter ultrapassado nas pesquisas para as próximas eleições presidenciais.
Dizia um velho sábio chinês, daqueles que Roberto Campos sempre citava em seus famosos provérbios, que o menor prejuízo é sempre o primeiro prejuízo. Querer manter uma postura equivocada é, de rigor, aumentar os danos, cujo preço o mundo pagará.
"Go home, Bush; go home."

Ives Gandra da Silva Martins, 68, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, é presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.


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