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CLÓVIS ROSSI
As estatísticas e a vida real
SÃO PAULO - Janio de Freitas e
Vinicius Torres Freire já haviam
alertado sobre o excesso de foguetório em torno da redução da miséria. Excessivo porque o patamar a
partir do qual a pessoa deixa de ser
"miserável" é baixo demais.
Aí, esse excelente repórter que é
Sergio Torres foi visitar uma família das que deixaram de ser "miseráveis", pelo menos na estatística.
Eis sua descrição:
"As crianças não têm o que calçar,
vestem-se todos os dias com as
mesmas roupas, comem carne,
quando muito, uma vez por semana, dormem no chão sem piso de
um casebre sem banheiro e brincam em um riacho de esgoto. Mesmo assim, não são miseráveis, segundo metodologia da FGV".
É a história da família de Nilcéia
de Lurdes da Silva, 35 anos, cinco filhos, um neto, e do companheiro
Aílton de Oliveira, 34, que vivem
"em barraco pendurado em uma
encosta no bairro Quilombo, próximo ao centro de Paracambi, município que, a 75 km do Rio, separa a
Baixada Fluminense da região centro-sul do Estado".
Poderia ser a história de milhões
de outras Nilcéias e Aíltons que, na
estatística, deixaram de ser miseráveis, mas só na estatística.
Na vida real, prossegue Sergio
Torres, "continuam na situação miserável que as acompanha desde a
nascença. Na última sexta, não comeram nada de manhã. O barraco
da família não tem água. A luz é
clandestina, puxada do poste da
rua. O esgoto, uma vala negra que
corre no quintal. As crianças só andam descalças. Pisam nos dejetos
sem dar importância. É o chão delas, afinal. Para trabalhar, o casal
deixa as crianças aos cuidados da filha de 11 anos".
Nada contra festejar estatísticas
agradáveis.
Desde que a festa não seja apenas
um pretexto para esquecer que, por
trás delas, ou apesar delas, o Brasil
continua um país primitivo. Obscenamente primitivo.
crossi@uol.com.br
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