São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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Demagogia tolerada

Atos teatrais do governo do Equador devem ser encarados com espírito de negociação, mas sem tibieza pelo Brasil

BRAVATAS e plebiscitos tornaram-se lamentável especialidade na culinária política sul-americana, e em geral são servidos ao mesmo tempo. Provém de Rafael Correa, presidente do Equador, a mais recente amostra dessa indigesta mistura.
Às vésperas do referendo que avaliará seu projeto de "Constituição Socialista", o presidente equatoriano determinou a ocupação militar de canteiros de obras da construtora brasileira Odebrecht, seqüestrou os bens da empresa e proibiu quatro de seus dirigentes, cidadãos brasileiros, de deixarem o país.
O decreto de Correa surge como reação destemperada a um desacordo que processos judiciais e negociações diplomáticas seriam perfeitamente capazes de dirimir. A construtora é acusada de cometer falhas na construção de uma hidrelétrica, em pane desde junho. O governo equatoriano exige indenização. A empresa não se dispõe a concedê-la, alegando que o contrato nada previa nesse sentido.
Um conflito que, sem ser corriqueiro, nada possui de dramático, nem de histórico, é todavia utilizado pelo presidente Correa como pretexto para uma exaltação populista da pior espécie. A atitude imita o que ocorreu no início do governo de Evo Morales, na Bolívia, quando tropas do Exército ocuparam instalações da Petrobras.
A crise com a Bolívia, em 2006, foi contornada pelo Itamaraty, confirmando que as relações entre o Brasil e seus vizinhos se caracterizam, felizmente, sobretudo em termos de parceria comercial e identidade histórica -e não pelo passionalismo insuflado por governantes messiânicos.
Nacionalismo exacerbado e concentração autoritária de poderes têm a característica, que não é de hoje, de exigir governantes hiperativos e gesticulantes. Tenta-se impor, sobre os processos necessariamente lentos de transformação do mundo real, o ritmo imaginário e trepidante das expedições salvadoras, dos reptos irresponsáveis, da simbologia demagógica.
Não é o caso de aceitar que as relações entre Brasil e Equador sigam a pauta de ressentimento e provocação implícita na atitude de Correa.
Surpreende, todavia, a tibieza da reação brasileira ao espetáculo oferecido pelo presidente do Equador. Cassa os direitos constitucionais de quatro cidadãos brasileiros; o Itamaraty nem sequer emite nota imediata de protesto. Ameaça suspender o pagamento da dívida de cerca de US$ 200 milhões, contraída com o BNDES; tudo normal. Decide ocupar militarmente os canteiros de obras da Odebrecht; o ministro Celso Amorim vê nisso um caso de "ações preventivas" do governo equatoriano.
Negociar, e não retaliar, sempre foi a praxe brasileira nos desentendimentos internacionais. Assim deve ser neste caso. Mas não se negocia a partir da leniência e da submissão; e esta, diante da bravata e da tolice, em nenhuma hipótese se justifica.


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