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Demagogia tolerada
Atos teatrais do governo do Equador devem ser encarados com espírito de negociação, mas
sem tibieza pelo Brasil
BRAVATAS e plebiscitos
tornaram-se lamentável
especialidade na culinária política sul-americana, e em geral são servidos ao
mesmo tempo. Provém de Rafael
Correa, presidente do Equador, a
mais recente amostra dessa indigesta mistura.
Às vésperas do referendo que
avaliará seu projeto de "Constituição Socialista", o presidente
equatoriano determinou a ocupação militar de canteiros de
obras da construtora brasileira
Odebrecht, seqüestrou os bens
da empresa e proibiu quatro de
seus dirigentes, cidadãos brasileiros, de deixarem o país.
O decreto de Correa surge como reação destemperada a um
desacordo que processos judiciais e negociações diplomáticas
seriam perfeitamente capazes de
dirimir. A construtora é acusada
de cometer falhas na construção
de uma hidrelétrica, em pane
desde junho. O governo equatoriano exige indenização. A empresa não se dispõe a concedê-la,
alegando que o contrato nada
previa nesse sentido.
Um conflito que, sem ser corriqueiro, nada possui de dramático, nem de histórico, é todavia
utilizado pelo presidente Correa
como pretexto para uma exaltação populista da pior espécie. A
atitude imita o que ocorreu no
início do governo de Evo Morales, na Bolívia, quando tropas do
Exército ocuparam instalações
da Petrobras.
A crise com a Bolívia, em 2006,
foi contornada pelo Itamaraty,
confirmando que as relações entre o Brasil e seus vizinhos se caracterizam, felizmente, sobretudo em termos de parceria comercial e identidade histórica -e
não pelo passionalismo insuflado por governantes messiânicos.
Nacionalismo exacerbado e
concentração autoritária de poderes têm a característica, que
não é de hoje, de exigir governantes hiperativos e gesticulantes. Tenta-se impor, sobre os
processos necessariamente lentos de transformação do mundo
real, o ritmo imaginário e trepidante das expedições salvadoras,
dos reptos irresponsáveis, da
simbologia demagógica.
Não é o caso de aceitar que as
relações entre Brasil e Equador
sigam a pauta de ressentimento
e provocação implícita na atitude de Correa.
Surpreende, todavia, a tibieza
da reação brasileira ao espetáculo oferecido pelo presidente do
Equador. Cassa os direitos constitucionais de quatro cidadãos
brasileiros; o Itamaraty nem sequer emite nota imediata de protesto. Ameaça suspender o pagamento da dívida de cerca de US$
200 milhões, contraída com o
BNDES; tudo normal. Decide
ocupar militarmente os canteiros de obras da Odebrecht; o ministro Celso Amorim vê nisso
um caso de "ações preventivas"
do governo equatoriano.
Negociar, e não retaliar, sempre foi a praxe brasileira nos desentendimentos internacionais.
Assim deve ser neste caso. Mas
não se negocia a partir da leniência e da submissão; e esta, diante
da bravata e da tolice, em nenhuma hipótese se justifica.
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