São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Baixaria sobre o aquecimento global

JOSÉ ELI DA VEIGA e PETTERSON VALE


A esperança de continuidade do progresso material da espécie humana dependerá de utilizações mais diretas da energia solar

BASTA UM pouco de conhecimento histórico para saber que a evolução cultural da humanidade passou por três saltos decisivos, com o domínio do fogo, da agricultura e da máquina a vapor. E não é preciso muito esforço imaginativo para prever que a quarta tarefa de Prometeu será a descoberta de novas fontes de energia que não sejam fósseis. Com ou sem aquecimento global, a esperança de continuidade do progresso material da espécie humana dependerá de utilizações mais diretas da energia solar.
Também se sabe que a chamada revolução agrícola do Neolítico não esperou que terminassem as fontes de caça e de coleta e que o aproveitamento do carvão mineral foi bem anterior a um possível desaparecimento da lenha. Aguardar comodamente a intensificação do processo de esgotamento das reservas de carvão, petróleo e gás só servirá para tornar ainda mais freqüentes e trágicos os conflitos bélicos motivados pelas crescentes desigualdades de acesso a tais recursos.
Assim, longe de ser opção apenas econômica, é eminentemente ética a necessidade de drástico direcionamento das atividades de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para o que tem sido chamado de "energias alternativas". E pura irresponsabilidade etiquetar de desperdício o atual gasto mundial nessa área. Ao contrário, os baixíssimos investimentos em CT&I para a superação da era dos fósseis só atestam o atraso e a miopia das elites dirigentes.
Mesmo os mais recalcitrantes "céticos", que insistem em negar o aquecimento global ou que ele seja provocado por atividades humanas, deveriam apoiar investimentos na busca de novas fontes energéticas.
Por isso, chega a ser escandalosa a desonestidade intelectual dos que repetem como papagaios que já teriam sido gastos US$ 50 bilhões em tentativas de provar a influência climática das emissões antrópicas de CO2.
Por enquanto, a despesa total do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, na siga em inglês) só atingiu uma minúscula fração desse montante: US$ 34,2 milhões, de 2001 a 2007.
Quem criou a lenda dos US$ 50 bilhões foi o paleontólogo australiano Robert M. Carter, porque é contra os esforços em CT&I focados na procura de usos mais diretos da energia solar. Prefere que se continue a esbanjar recursos fósseis e não lamenta os US$ 3 trilhões já queimados na Guerra do Iraque.
Na contramão desse tipo de baixaria, está despontando aquilo que o jornalista Thomas L. Friedman havia apelidado de "green new deal" e agora chama de "revolução verde".
Elétrons abundantes, baratos, limpos e confiáveis poderão solucionar cinco dos principais problemas contemporâneos: oferta e demanda de energia e de recursos naturais, ditaduras petroleiras, mudança climática, perda de biodiversidade e pobreza energética.
As nações que liderarem tal mudança serão detentoras da maior fonte de valor agregado deste século. E, nessa corrida, terão mais sucesso as que anteciparem políticas públicas e instituições capazes de induzir a nova onda das energias limpas. O que exigirá a combinação de pelo menos quatro instrumentos: precificação do carbono por impostos e contingenciamentos, subvenções às inovações, regulação da eficiência energética e educação para a mudança de hábitos.
É claro que a economia global também poderia ser impulsionada por uma nova onda bélico-tecnológica, como parecem preferir alguns dos detratores do IPCC. Mas essa é uma ética tão reacionária quanto a dos que teriam preferido continuar no Neolítico até que se manifestasse a escassez de pedras.


JOSÉ ELI DA VEIGA , 60, professor titular de economia da USP, e PETTERSON MOLINA VALE , 25, mestrando em desenvolvimento econômico na Unicamp, são co-autores do capítulo sobre economia e política do livro "Aquecimento Global: Frias Contendas Científicas".

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