São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2011

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Comissão da Verdade

Investigação sobre os crimes ocorridos na ditadura vai além do que pode pretender um colegiado oficial tal como prevê o atual projeto de lei

Os que desconhecem o passado histórico, diz um adágio conhecido, estão condenados a repeti-lo.
É direito inquestionável dos brasileiros tomar conhecimento, em seu pleno detalhe, das violações dos direitos humanos que marcaram o período do regime militar.
Cerca de 40 anos se passaram desde o auge da repressão política. A Lei da Anistia, estabelecendo as condições irrevogáveis de um processo de transição sem traumas para a democracia, assegura que se possa tratar do tema com sobriedade e equidistância.
Aprovando a lei que institui a chamada Comissão da Verdade, a Câmara dos Deputados procurou atender às demandas, mais do que justas, por uma investigação histórica em profundidade dos abusos cometidos durante a ditadura.
Na tentativa de deixar menos marcado o seu teor político, estendeu-se para o período de 1946-1988 o âmbito das pesquisas a serem empreendidas pela comissão.
Fruto, como se vê por esse detalhe, de um delicado acordo entre as forças presentes na Câmara, nem por isso o projeto deixa de suscitar dúvidas e questionamentos.
Há muito de pretensioso e indevido, por exemplo, na própria denominação do colegiado que se irá instituir. Não cabe a um organismo indicado pelo Executivo, por mais imparcial que seja sua composição, estabelecer "a Verdade", com "V" maiúsculo, neste ou em qualquer assunto que seja.
Mesmo no campo das ciências naturais, onde em tese os interesses e paixões políticas não preponderam, não há como conceber verdades definitivas. A descoberta de novas evidências e circunstâncias é um processo contínuo em qualquer área do conhecimento.
É irrealista supor que, no exíguo prazo de dois anos, uma comissão de 7 membros e 14 auxiliares, como estabelece o projeto, venha a levantar todos os casos de violação aos direitos humanos.
No pressuposto de que se poderá atingir algum tipo de "verdade oficial", cogita-se de nomear para a comissão personalidades idôneas, algumas delas escolhidas no próprio campo da oposição.
Em que medida, todavia, estariam contemplados representantes e defensores do próprio regime militar? Sua presença, não é exagerado supor, traria dificuldades e entraves ao trabalho da comissão. Sua ausência, por outro lado, abriria o flanco a acusações de parcialidade nas investigações.
A Comissão da Verdade cumpriria melhor seu papel, a rigor, se estabelecesse as condições mais amplas possíveis para o acesso dos cidadãos a documentos do período.
Investigações independentes, feitas por organizações, pesquisadores e jornalistas sem vínculos com o Estado, constituem no melhor mecanismo para se chegar mais próximo de um ideal nunca definitivo, a verdade histórica. Esta não é monopólio de nenhum colegiado oficial, por mais imparcial que seja.


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