São Paulo, terça-feira, 25 de outubro de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Fundações, sem meias-verdades
CÉSAR AUGUSTO MINTO, JOÃO ZANETIC e PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR
Ao defender a condição de "entidade filantrópica" da FFM, Cerri voltou a omitir fatos importantes. Em 2004, o INSS encaminhou ao Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) uma representação administrativa solicitando a não renovação do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social atribuído à FFM. Esse certificado isenta as entidades filantrópicas de pagar a contribuição patronal ao INSS. Indevidamente estendido a fundações privadas como a FFM, a Fundação Zerbini e outras, tal privilégio lhes permite deixar de recolher à Previdência dezenas de milhões de reais por ano. O INSS, que anteriormente já solicitara ao CNAS o descredenciamento dessas fundações, tomou conhecimento de ampla reportagem publicada na Revista Adusp 24, de dezembro de 2001, que incluía uma entrevista com a então diretora-geral da FFM, a qual declarou: "Nosso negócio é rodar paciente. Não é instituição de caridade nem previdência" (p. 76). Assim, a principal dirigente da entidade supostamente "filantrópica" assumiu, sem disfarce, o caráter mercantil da dinâmica instalada no Hospital das Clínicas (HC). Certamente por isso, o INSS enviou denúncia ao Ministério Público Federal. Pedimos licença ao leitor para reproduzir trechos de atas de reuniões da FFM registradas em cartório. Na reunião de 11/3/2004 da diretoria, o assessor jurídico da entidade comentou "a representação administrativa, recebida pela FFM em 3/3/2004, movida pela auditora fiscal do INSS (regional norte/ SP) junto ao Conselho Nacional de Assistência Social, visando a não renovação do Certificado de Entidade Beneficente (...) por não atender as determinações da legislação aplicável". Em reunião de 6/4/2004, presidida pelo próprio Cerri, o diretor-geral da FFM, Flávio Fava de Moraes, referiu-se à "dificuldade que estamos encontrando para renovar o nosso certificado de filantropia em Brasília". Por outro lado, Cerri afirma que "o atendimento de convênios privados financia o atendimento público à população carente", representando apenas 3% do atendimento do HC, porém "15% da receita do hospital". Acrescenta que "os portadores de planos de saúde têm, como quaisquer cidadãos, o direito ao atendimento no HC" e que, caso este "não recebesse dos convênios e seguradoras, eles estariam sobrecarregando o SUS, tirando vagas da população carente e privilegiando empresas". São alegações que beiram a desfaçatez. A maioria dos pacientes conveniados só procura o Hospital das Clínicas porque dispõe da garantia de tratamento privilegiado. Cabe perguntar: quanto os convênios privados consomem das receitas do HC? Pois não são tais convênios que "financiam o atendimento público à população carente", mas sim uma combinação de recursos -verba do SUS, orçamento estadual, instalações e equipamentos, todos públicos. São recursos públicos que sustentam tudo que se pratica no Hospital das Clínicas, inclusive o condenável atendimento a convênios privados. No entanto, é notório que a população carente freqüentemente é preterida em exames e operações em favor de pacientes do tipo "VIP". Estranha filantropia! Vale relembrar um relato contundente do professor José Aristodemo Pinotti: "Apresentei uma lista com 102 pacientes aguardando cirurgia, com diagnóstico ou suspeita de câncer, e com 505 casos (...) matriculados no hospital, aguardando radiografias, laparoscopias ou cirurgias para diagnóstico" (Folha, 27/ 11/2001). Segundo Pinotti, ocorria um "estrangulamento do centro cirúrgico", no qual "vários horários da ginecologia foram, apesar de nossas reclamações, colocados à disposição dos pacientes conveniados". Por fim, reafirmamos: as verbas do SUS devem ser integralmente destinadas ao atendimento de pacientes. Cobrar "taxa de gestão" sobre elas, como fazem a Fundação Faculdade de Medicina e a Fundação Zerbini, é ilegal, a par de gerar distorções. Aliás, causa espécie a declaração de Cerri de que a FFM "não faz nenhuma aquisição que não seja do interesse do HC". Se é assim, como explicar a compra, por R$ 20 milhões, do imóvel hoje denominado "Pólo Pacaembu"? Para transformá-lo em "centro de educação permanente" (Jornal da FFM, nš 19, maio-junho de 2005), isto é, mais uma fábrica de cursos pagos na USP? César Augusto Minto, 55, é professor doutor da Faculdade de Educação da USP e presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp). João Zanetic, 62, é professor doutor do Instituto de Física da USP e vice-presidente da Adusp. Pedro Estevam da Rocha Pomar, 48, é editor da Revista Adusp. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Frei Betto: Herzog, memória subversiva Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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