São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deve promover a "desmilitarização" do controle do tráfego aéreo?

SIM

Direitos das vítimas ou segredo de Estado?

JORGE ZAVERUCHA e GLÁUCIO ARY DILLON SOARES

A MAIORIA dos países democráticos confere a civis a tarefa de controlar os seus espaços aéreos comerciais. Por que o Brasil é uma das exceções? Talvez porque, em sociedades pretorianas, os militares controlam áreas fora de sua atuação profissional. Desse modo, tem razão o ministro da Defesa, Waldir Pires, ao propor que o controle do espaço aéreo comercial fique nas mãos de civis.
Terminaria, assim, mais um anacronismo institucional do país. No Brasil, cabem à Marinha o licenciamento, a segurança das embarcações, a fiscalização de documentação, o balizamento, a sinalização e a salvaguarda da vida humana no mar. Até quem deseja se habilitar a pilotar um jet-ski precisa ser aprovado pela Capitania dos Portos. Acidentes civis ou militares de navegação marítima, fluvial e lacustre são administrativamente julgados pelo Tribunal Marítimo, órgão autônomo vinculado ao Comando da Marinha.
Na Espanha de Franco, os militares controlavam a marinha mercante e a aviação civil. Com a instauração de um governo democrático, tais prerrogativas militares foram abolidas pela Constituição (1978). Essas atividades foram passadas às mãos de civis.
No Brasil, a Constituição de 1988 manteve o status quo, mostrando que a velha ordem política não foi substituída por uma ordem plenamente democrática. Os tráfegos aéreos civil, privado, comercial e desportivo são controlados pelo Comando da Aeronáutica. A fiscalização das condições de vôo e navegação das aeronaves e embarcações civis está, igualmente, a cargo dos militares, assim como a investigação de acidentes.
Essa situação cria um conflito de competência, pois o órgão investigador de acidentes aéreos, o Cenipa (Centro Nacional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), fornece ao DAC (Departamento de Aviação Civil) os dados para a elaboração do relatório final. Ocorre, porém, que os dois órgãos -e seus integrantes- estão subordinados ao Comando da Aeronáutica.
Portanto, o poder de crítica de quem investiga fica constrangido pela subordinação e hierarquia militar. A investigação precisa ser independente, não podendo estar sujeita a nenhum tipo de pressão ou de interferência. O objetivo único é o conhecimento da verdade.
A Polícia Federal vem encontrando dificuldades para obter informações sobre o acidente que vitimou 154 pessoas, mostrando a incompatibilidade entre os inquéritos policial (civil) e policial militar. O delegado encarregado teve de requisitar à Justiça que intercedesse para ter acesso às informações que solicitadas à Aeronáutica.
É semelhante ao ocorrido após o acidente com o Fokker da TAM, em 1996. Na época, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Luiz Antônio Marrey, impetrou mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça contra o ministro da Aeronáutica para que as informações contidas na caixa-preta do avião sinistrado fossem entregues a quem de direito.
Mais uma vez, alega-se estar em vigência o anexo 13 do acordo da Icao (Organização Internacional da Aviação Civil, na sigla em inglês).
Essa legislação estabelece que a prioridade da análise dos dados da caixa-preta e das gravações dos controladores de vôo é a prevenção de acidentes. Porém, o item 5.12 do próprio anexo reconhece que esse dispositivo está limitado pela administração da Justiça e das leis locais.
Ora, o artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, diz: "Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Não é uma questão de segurança nacional. Está em jogo o direito dos familiares e amigos das vítimas -e dos futuros viajantes- de saber o que realmente ocorreu.


JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política, é coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
GLÁUCIO ARY DILLON SOARES, mestre em direito e doutor em sociologia, é pesquisador do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).


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