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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Brasil deve promover a "desmilitarização" do controle do tráfego aéreo?
SIM
Direitos das vítimas ou segredo de Estado?
JORGE ZAVERUCHA e GLÁUCIO ARY DILLON SOARES
A MAIORIA dos países democráticos confere a civis a tarefa de
controlar os seus espaços aéreos comerciais. Por que o Brasil é
uma das exceções? Talvez porque, em
sociedades pretorianas, os militares
controlam áreas fora de sua atuação
profissional. Desse modo, tem razão o
ministro da Defesa, Waldir Pires, ao
propor que o controle do espaço aéreo comercial fique nas mãos de civis.
Terminaria, assim, mais um anacronismo institucional do país.
No Brasil, cabem à Marinha o licenciamento, a segurança das embarcações, a fiscalização de documentação,
o balizamento, a sinalização e a salvaguarda da vida humana no mar. Até
quem deseja se habilitar a pilotar um
jet-ski precisa ser aprovado pela Capitania dos Portos. Acidentes civis ou
militares de navegação marítima, fluvial e lacustre são administrativamente julgados pelo Tribunal Marítimo, órgão autônomo vinculado ao
Comando da Marinha.
Na Espanha de Franco, os militares
controlavam a marinha mercante e a
aviação civil. Com a instauração de
um governo democrático, tais prerrogativas militares foram abolidas pela
Constituição (1978). Essas atividades
foram passadas às mãos de civis.
No Brasil, a Constituição de 1988
manteve o status quo, mostrando que
a velha ordem política não foi substituída por uma ordem plenamente democrática. Os tráfegos aéreos civil,
privado, comercial e desportivo são
controlados pelo Comando da Aeronáutica. A fiscalização das condições
de vôo e navegação das aeronaves e
embarcações civis está, igualmente, a
cargo dos militares, assim como a investigação de acidentes.
Essa situação cria um conflito de
competência, pois o órgão investigador de acidentes aéreos, o Cenipa
(Centro Nacional de Investigação e
Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), fornece ao DAC (Departamento
de Aviação Civil) os dados para a elaboração do relatório final. Ocorre, porém, que os dois órgãos -e seus integrantes- estão subordinados ao Comando da Aeronáutica.
Portanto, o poder de crítica de
quem investiga fica constrangido pela
subordinação e hierarquia militar. A
investigação precisa ser independente, não podendo estar sujeita a nenhum tipo de pressão ou de interferência. O objetivo único é o conhecimento da verdade.
A Polícia Federal vem encontrando
dificuldades para obter informações
sobre o acidente que vitimou 154 pessoas, mostrando a incompatibilidade
entre os inquéritos policial (civil) e
policial militar. O delegado encarregado teve de requisitar à Justiça que
intercedesse para ter acesso às informações que solicitadas à Aeronáutica.
É semelhante ao ocorrido após o
acidente com o Fokker da TAM, em
1996. Na época, o procurador-geral de
Justiça de São Paulo, Luiz Antônio
Marrey, impetrou mandado de segurança no Superior Tribunal de Justiça
contra o ministro da Aeronáutica para que as informações contidas na caixa-preta do avião sinistrado fossem
entregues a quem de direito.
Mais uma vez, alega-se estar em vigência o anexo 13 do acordo da Icao
(Organização Internacional da Aviação Civil, na sigla em inglês).
Essa legislação estabelece que a
prioridade da análise dos dados da
caixa-preta e das gravações dos controladores de vôo é a prevenção de
acidentes. Porém, o item 5.12 do próprio anexo reconhece que esse dispositivo está limitado pela administração da Justiça e das leis locais.
Ora, o artigo 5º, inciso XXXIII, da
Constituição Federal, diz: "Todos
têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo
geral, que serão prestadas no prazo da
lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".
Não é uma questão de segurança
nacional. Está em jogo o direito dos
familiares e amigos das vítimas -e
dos futuros viajantes- de saber o que
realmente ocorreu.
JORGE ZAVERUCHA, 51, doutor em ciência política, é
coordenador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).
GLÁUCIO ARY DILLON SOARES, mestre em direito e
doutor em sociologia, é pesquisador do Iuperj (Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).
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