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São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

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MARTA SALOMON

"Gente boa"

BRASÍLIA - Quando chegou ao Planalto, a turma de Fernando Henrique Cardoso pôs a palavra "gelatina" no vocabulário político do país. Servia para designar intramuros o político que não era aliado cego -poucos o são-, mas aceitava votar com o governo em troca de favores.
Valiam no jogo a liberação de verbas públicas, um cargo na Esplanada ou até mesmo moedas mais prosaicas, como encontros com autoridades. "Gelatina", coisa que cede a colheradas das mais sutis, era a variante tucana para o fisiologismo.
Na época, o PT condenava o negócio. Isso foi até Luiz Inácio Lula da Silva pisar no Planalto. Como fisiologismo continua soando como nome feio, a palavra agora é "gente boa". Essa foi a senha ouvida em reuniões no palácio para liberar verbas para projetos de interesse dos aliados.
"Gente boa" povoa o universo que garantiu a Lula o apoio necessário à aprovação das reformas no Congresso. Reformas que, no fim das contas, engordarão os cofres públicos.
O governo acha que saiu no lucro. Ainda que gente -não muito boa, segundo a classificação palaciana- como o ex-petista Chico Oliveira diga que, com essas e outras, o partido "perdeu a parada" de uma nova moralidade na política.
Mas de uma coisa o PT não pode ser acusado: de falta de discrição. Por discreto, o governo Lula atendeu até adversários. Nada ficou muito evidente fora das planilhas a que só ministros e um grupo restrito de assessores têm acesso.
Veja só o exemplo da medida provisória que aumentou de 3% para 7,6% a alíquota da Cofins, contribuição cobrada sobre o faturamento das empresas.
De forma discretíssima, entre remissões a alíneas e parágrafos de leis, o texto do governo livrou dois setores da economia: segurança privada e venda de automóveis. Por coincidência, áreas em que o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), tem negócios. Eunício é "gente boa" e pode até virar ministro em breve.


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