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Questões de culpa
Divisões rígidas entre o "bem" e o "mal" revestem de moralismo pueril a busca de soluções para
os impasses mundiais
O SENTIMENTO de generalizada decepção com
a cúpula do clima em
Copenhague, encerrada sem acordo concreto no último dia 19, reveste de tinturas
pessimistas uma época do ano
habitualmente dedicada à renovação das esperanças mundiais.
Não foi o único fato recente,
por certo, a alimentar o desalento daqueles que, para usar a linguagem bíblica, inscrevem-se
entre os "homens de boa vontade". Entretanto, talvez não seja
inapropriado partir das reações à
conferência da ONU para avaliar, sem condenações moralistas ou raciocínios edificantes, as
perspectivas de solidariedade e
entendimento humano que, em
datas como a de hoje, cumpre
não deixar esmorecer.
Apesar do impasse final em
Copenhague, poucas vezes terá
havido a oportunidade, em primeiro lugar, de se ver tantos líderes mundiais envolvidos pessoalmente numa discussão. Divergências não foram superadas.
Mesmo assim, na confusão babélica daqueles dias, deu-se um espetáculo real, como se a humanidade, em seu conjunto, tomasse
nas mãos o próprio destino, sem
apelos infantis à Providência ou
ao puro poder de coerção de um
império nacional.
Veio o fracasso, e em seguida,
por parte da opinião pública, um
movimento de demonização.
Sem entrar no mérito das responsabilidades de países como a
China e os Estados Unidos no
malogro da reunião, cumpre ter
presente o quanto há de automático nesse gênero de condenações -das quais o risco de moralismo nunca está distante.
Excetuados os ambientalistas
mais autênticos, quantos dos que
criticam o fracasso de Copenhague estariam dispostos a uma
mudança radical em seu próprio
estilo de vida? Por vezes, a condenação moral nada mais faz do
que transferir a outrem um sentimento de culpa que não se consegue admitir internamente.
Não se trata contudo de culpas,
mas de responsabilidades. Estas
não se traduzem em dramas de
consciência individual, mas em
ações coletivas -orientadas no
mais das vezes pela técnica, pela
ciência e pelo bom senso.
A cultura ocidental, de que o
Brasil faz parte, tem vivido nas
últimas décadas um permanente
complexo de culpa, que se reflete
nos exageros da "correção política" e também nas iniciativas de
controle estatal sobre os hábitos
particulares dos cidadãos -infantilizando-os quando pretende, por exemplo, intervir sobre a
alimentação ou sobre a linguagem que devem adotar.
Velhos e novos problemas -da
miséria ao aquecimento do planeta- colocam-se diante dos homens, e mais do que nunca se coletiviza, pela própria globalização, a consciência a seu respeito.
Abandonadas as respostas fáceis
da ideologia política, sua resolução depende não apenas de atitudes pessoais, mas da capacidade
que tivermos de tratá-los maduramente: isto é, sem ilusões a
respeito do "bem" e do "mal", da
"culpa" e da "inocência", mas
com o senso das responsabilidades, e dos limites, que cada ser
humano tem dentro de si.
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