São Paulo, sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

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Editoriais

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Questões de culpa

Divisões rígidas entre o "bem" e o "mal" revestem de moralismo pueril a busca de soluções para os impasses mundiais

O SENTIMENTO de generalizada decepção com a cúpula do clima em Copenhague, encerrada sem acordo concreto no último dia 19, reveste de tinturas pessimistas uma época do ano habitualmente dedicada à renovação das esperanças mundiais.
Não foi o único fato recente, por certo, a alimentar o desalento daqueles que, para usar a linguagem bíblica, inscrevem-se entre os "homens de boa vontade". Entretanto, talvez não seja inapropriado partir das reações à conferência da ONU para avaliar, sem condenações moralistas ou raciocínios edificantes, as perspectivas de solidariedade e entendimento humano que, em datas como a de hoje, cumpre não deixar esmorecer.
Apesar do impasse final em Copenhague, poucas vezes terá havido a oportunidade, em primeiro lugar, de se ver tantos líderes mundiais envolvidos pessoalmente numa discussão. Divergências não foram superadas. Mesmo assim, na confusão babélica daqueles dias, deu-se um espetáculo real, como se a humanidade, em seu conjunto, tomasse nas mãos o próprio destino, sem apelos infantis à Providência ou ao puro poder de coerção de um império nacional.
Veio o fracasso, e em seguida, por parte da opinião pública, um movimento de demonização. Sem entrar no mérito das responsabilidades de países como a China e os Estados Unidos no malogro da reunião, cumpre ter presente o quanto há de automático nesse gênero de condenações -das quais o risco de moralismo nunca está distante.
Excetuados os ambientalistas mais autênticos, quantos dos que criticam o fracasso de Copenhague estariam dispostos a uma mudança radical em seu próprio estilo de vida? Por vezes, a condenação moral nada mais faz do que transferir a outrem um sentimento de culpa que não se consegue admitir internamente.
Não se trata contudo de culpas, mas de responsabilidades. Estas não se traduzem em dramas de consciência individual, mas em ações coletivas -orientadas no mais das vezes pela técnica, pela ciência e pelo bom senso.
A cultura ocidental, de que o Brasil faz parte, tem vivido nas últimas décadas um permanente complexo de culpa, que se reflete nos exageros da "correção política" e também nas iniciativas de controle estatal sobre os hábitos particulares dos cidadãos -infantilizando-os quando pretende, por exemplo, intervir sobre a alimentação ou sobre a linguagem que devem adotar.
Velhos e novos problemas -da miséria ao aquecimento do planeta- colocam-se diante dos homens, e mais do que nunca se coletiviza, pela própria globalização, a consciência a seu respeito. Abandonadas as respostas fáceis da ideologia política, sua resolução depende não apenas de atitudes pessoais, mas da capacidade que tivermos de tratá-los maduramente: isto é, sem ilusões a respeito do "bem" e do "mal", da "culpa" e da "inocência", mas com o senso das responsabilidades, e dos limites, que cada ser humano tem dentro de si.


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