São Paulo, sábado, 26 de janeiro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O atual cenário indica uma crise no setor energético?

SIM

Eficiência e racionalização x racionamento

LUIZ PINGUELLI ROSA

A CRISE não é iminente, mas é preciso tomar medidas imediatas para que ela não ocorra.
O nível médio dos reservatórios das hidrelétricas está acima do atingido em 2001 no Sudeste e Centro-Oeste.
Na época, faltava usina térmica; hoje, falta gás. Há cerca de um ano, a Petrobras informou que várias termelétricas não tinham contratos de compra de gás e a Aneel as retirou do plano de operação, subtraindo mais de 3.000 MW. Isso revelou um problema que voltou à tona com a questão do gás natural em novembro de 2007. Nessa ocasião, a Coppe-UFRJ enviou um relatório ao ministro de Minas e Energia, alertando para o agravamento da situação da geração elétrica que está ocorrendo agora.
A antecipação da operação das termelétricas visa poupar água para o futuro e sinaliza as incertezas no setor.
Há atrasos nas obras, sobretudo de hidrelétricas e do Proinfa, programa pelo qual a Eletrobrás, em 2003-2004 viabilizou a construção de 3.300 MW de usinas eólicas -menos de 50% saiu do papel-, de pequenas usinas hidrelétricas e de biomassa.
Há também o aumento do consumo devido ao crescimento econômico e a uma melhora na distribuição de renda, o que é positivo.
Por outro lado, os consumidores livres, grandes empresas, compraram energia barata da rede de forma desregulamentada, dificultando o planejamento. Estes representam mais de 25% do consumo de energia elétrica do país. É preciso estabelecer regras para dar transparência na comercialização de energia.
Não há como projetar, licenciar e construir novas usinas em menos de três anos. A usina de Santo Antônio, no rio Madeira, só operará em 2012; é positiva a participação de Furnas, mas deveria ser majoritária. Deve-se dar à Eletrobrás, como o maior grupo do setor, o papel de puxar os investimentos, como fez a Petrobras para a auto-suficiência no petróleo. As empresas do grupo Eletrobrás se tornaram alvos de partidos aliados barganhando apoio em troca de cargos.
A esses aspectos do mundo físico somam-se questões conceituais do planejamento. Um claro sinal de que há problemas no horizonte é a elevação do custo do mercado "spot", que subiu de R$ 18/MWh em 2004 para mais de R$ 500/MWh hoje. Furnas terá um prejuízo de cerca de R$ 200 milhões mensais para comprar energia cara no mercado e vendê-la a preços muito menores para cumprir contratos que deveriam ser cancelados, derivados da importação de uma energia inexistente da Argentina, contratada antes de 2003.
Com a operação das termelétricas, inclusive a diesel, muito caro, a tarifa logo subirá para os consumidores cativos da rede, que já pagam muito pela energia elétrica, com exceção da tarifa social destinada à população de baixa renda. A tarifa no Brasil é maior do que em muitos países desenvolvidos, como Alemanha, Dinamarca, EUA, França e Canadá. O gás natural liquefeito importado para aliviar a crise também será caro.
Além de acelerar as obras no setor elétrico e estimular as fontes alternativas de energia de rápida instalação a custos compatíveis, como o bagaço de cana, deve-se aplicar um plano nacional de eficiência energética. Trata-se de implantar um sistema planejado de estímulo à redução de perdas na geração, transmissão, distribuição e no consumo da energia elétrica, bem como à redução do desperdício.
Melhorar a eficiência na transformação e nos usos da energia é a maneira mais barata e rápida de aumentar a disponibilidade de energia. Tem a vantagem de gerar empregos diversificados e difundir a tecnologia mais moderna em vários setores, além de contribuir para evitar a emissão de gases de efeito estufa. Poderia ser conjugada com uma política industrial incentivando a produção de equipamentos mais eficientes. A Eletrobrás tem experiência em incentivar a eficiência no consumo de energia através do Procel. Essas medidas não têm contra indicação e podem ter efeito no curto prazo.


LUIZ PINGUELLI ROSA, 65, físico, é diretor da Coppe-UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04). É autor do livro "Tecnociências e Humanidades".

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