São Paulo, segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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RUY CASTRO

Americanizada

RIO DE JANEIRO - Por causa do centenário de Carmen Miranda, no próximo dia 9, não tenho chegado para os pedidos de entrevistas sobre a "Pequena Notável". Uma pergunta recorrente se refere ao gelo que certa plateia do Cassino da Urca lhe deu em 1940, quando ela voltou de férias ao Rio, depois de um ano de gigantesco sucesso nos EUA, e aceitou fazer um show beneficente para dona Darcy, mulher do ditador Getúlio Vargas.
Carmen entrou no palco e, em vez de seu costumeiro "Alô, macacada!", soltou um "Hello, people!". E cantou o fox-rumba "South American Way", que continha um único verso em inglês -justamente o verso-título. Por causa disso, a plateia a gelou e a acusou de ter voltado "americanizada". A pergunta dos repórteres traz sempre um travo de condenação. De há muito, ficou feio ser "americanizado".
Mas, em 1940, exceto para os comunas, não havia problema nenhum. Os EUA não eram o país egoísta, brutal e intervencionista que se tornaria com a guerra do Vietnã. Ao contrário, eram o país dos arranha-céus, dos Cadillacs, da banana split, de Tyrone Power, Betty Grable, Bing Crosby, o boxeur Joe Louis, o presidente Roosevelt. Sabia-se que, quando entrassem na guerra, os Aliados venceriam.
Minto. Havia outra categoria que os detestava: os nazistas. Como os EUA eram aliados naturais da Inglaterra, Hitler e seus torcedores não podiam gostar deles. Naquela noite, na Urca, metade da plateia era ligada a Getúlio, ainda simpático à Alemanha -ministros e militares fascistas, empresários alemães (e seus sócios brasileiros) e os puxa-sacos de sempre. Foi essa a plateia que gelou Carmen. Dois meses depois, ela voltou à Urca e saiu consagrada pelo seu verdadeiro público.
Obama começou bem, mas terá de rebolar para que o mundo deixe de detestar os EUA.


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