São Paulo, terça-feira, 26 de janeiro de 2010

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Regras para bancos

Em momento político difícil, Obama propõe regulação financeira que pode dificultar reforma já em discussão para o setor

NÃO HÁ dúvida de que graves falhas de regulação estão na raiz da crise financeira de 2008; resulta daí o virtual consenso a respeito da necessidade de reformas. Além disso, como o resgate dos bancos ocorreu com dinheiro público, "fazer algo" a respeito tornou-se um imperativo político. Mas o quê?
O sistema financeiro tem a característica especial de poder paralisar toda a economia. Por isso, é inescapável que em caso de crise o governo tenha o papel de fiador do sistema. Mas esta proteção não pode ser incondicional, nem vir sem custos para os próprios bancos. Deve estar ancorada em boa regulação. Esta precisa combinar eficiência na intermediação de recursos com limitações para evitar a escalada desmedida de riscos.
Em poucas palavras, o dilema da regulação resume-se em como evitar crises sistêmicas com custos para os contribuintes e, ao mesmo tempo, fazer fluir o "óleo lubrificante" da economia moderna. Não é tarefa simples. Todas as alternativas, conservadoras ou radicais, envolvem diferentes combinações de custos, benefícios e riscos.
O fato é que, desde o fim do período mais agudo da crise até os primeiros dias de 2010, o governo Obama vinha adotando uma atitude cautelosa, com mudanças graduais em itens pouco controversos, como reduzir limites de alavancagem e adotar regras mais seguras para a gestão da liquidez dos bancos.
Para seus críticos, o presidente vinha sendo permissivo demais com o lobby financeiro. Nem mesmo o pagamento de escandalosos bônus, menos de um ano após os bancos terem sido salvos pelo governo, havia merecido mais do que palavras de repúdio.
Mas nas últimas duas semanas o tom mudou. A proposta de taxar os bancos para recuperar US$ 90 bilhões em 10 anos foi a primeira iniciativa que prevê prejuízos para Wall Street. E na semana passada Obama apresentou o chamado "Plano Volcker", que estipula medidas drásticas. Entre elas, a separação entre bancos comerciais e de investimento e a proibição do uso de capital próprio para operações especulativas.
Ambas atingem o núcleo de Wall Street e, se implementadas, implicariam o desmembramento de alguns dos principais grupos financeiros.
Por que vieram neste momento? Por mais desejáveis que sejam algumas medidas, parece difícil desvincular a agressividade que agora ensaia Obama de suas necessidades políticas. As eleições legislativas no segundo semestre já ganham mais peso no cálculo político. A frustrante perda da maioria qualificada no Senado, com a eleição de um republicano para a vaga do democrata Ted Kennedy, na semana passada, pode estimular mudança mais profunda na conduta do presidente norte-americano.
Um esboço de reforma do sistema já estava em discussão no Congresso, inclusive com alguma coordenação internacional. A iniciativa de Obama altera o ritmo e as regras do jogo. A dúvida é se, no contexto em que veio, irá reforçar ou comprometer os esforços para que se implemente a necessária regulação.


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