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MARCOS NOBRE
Muito além de Hollywood
"ERVAS DANINHAS" não é o
melhor filme de Alain
Resnais. Nem vai fazer o
sucesso de "Medos Privados em
Lugares Públicos". Aliás, a julgar
pelas reações do público ao final da
projeção, muito pelo contrário.
Ouvi vários suspiros de alívio em
uníssono, como que a dizerem: "O
que foi isso?". Ou: "Você tem certeza de que esse é o mesmo diretor
daquele filme fofinho que vi no ano passado?".
"Medos Privados" pode mesmo
parecer muito diferente dos demais filmes de Resnais. Mas o método é o mesmo. Resnais brinca
com o naturalismo hollywoodiano.
Nos seus filmes, as imagens não
servem para tornar visíveis ideias
ou pensamentos. Nem servem para
tranquilizar de que a realidade
pensada está sempre lá, não importa o que aconteça. Resnais insiste
em mostrar que entre o pensamento naturalista e a imagem há sempre uma distância que está longe
de ser óbvia e simples. A começar
pelo fato de que o diretor é, no final
das contas, um manipulador de imagens.
Resnais mostra que a manipulação de imagens do cinema é ambígua. Porque toda intenção de subjugar as imagens tem resultados imprevisíveis. Porque entre o pensamento e a imagem estão desejos.
E desejos são mesmo contraditórios, não costumam seguir o script hollywoodiano.
Mas desejos são também tiranos
em busca de súditos. O que diferencia Resnais de outros muitos
bons diretores que também contam essa mesma história complicada é que, nos seus filmes, não existe
quem se submeta à tirania alheia. É nesse momento que ele se aproxima do surrealismo. O que há de
surreal no seu cinema é, na verdade, utopia.
Não uma utopia de novos começos para o cinema, à maneira de um
profeta de imagens. Resnais é utópico porque suspende a real tirania
cotidiana e vai em busca de personagens que apenas tentam lidar como podem com seus desejos.
São personagens surreais porque resistem a se deixar escravizar
pelos seus próprios desejos. Mas
também porque, em momentos
decisivos, recuam do desejo de escravizar outras pessoas. Chegam
mesmo a se colocar voluntariamente como campo de testes de
desejos alheios, uma generosidade
que nunca acaba em servidão. Uma
das grandes sacadas de Resnais é conseguir fazer disso matéria de riso. Mesmo que às vezes seja um riso forçado e sem graça.
O título original do filme ("Les
Herbes Folles") seria talvez melhor traduzido como "ervas agrestes", ervas não cultivadas. Mas, em
francês, são também as ervas "loucas". Essas ervas são desejos. Ainda
não cultivados, dirigidos e empacotados segundo as regras da indústria hollywoodiana.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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