São Paulo, terça-feira, 26 de janeiro de 2010

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MARCOS NOBRE

Muito além de Hollywood

"ERVAS DANINHAS" não é o melhor filme de Alain Resnais. Nem vai fazer o sucesso de "Medos Privados em Lugares Públicos". Aliás, a julgar pelas reações do público ao final da projeção, muito pelo contrário. Ouvi vários suspiros de alívio em uníssono, como que a dizerem: "O que foi isso?". Ou: "Você tem certeza de que esse é o mesmo diretor daquele filme fofinho que vi no ano passado?".
"Medos Privados" pode mesmo parecer muito diferente dos demais filmes de Resnais. Mas o método é o mesmo. Resnais brinca com o naturalismo hollywoodiano.
Nos seus filmes, as imagens não servem para tornar visíveis ideias ou pensamentos. Nem servem para tranquilizar de que a realidade pensada está sempre lá, não importa o que aconteça. Resnais insiste em mostrar que entre o pensamento naturalista e a imagem há sempre uma distância que está longe de ser óbvia e simples. A começar pelo fato de que o diretor é, no final das contas, um manipulador de imagens.
Resnais mostra que a manipulação de imagens do cinema é ambígua. Porque toda intenção de subjugar as imagens tem resultados imprevisíveis. Porque entre o pensamento e a imagem estão desejos.
E desejos são mesmo contraditórios, não costumam seguir o script hollywoodiano.
Mas desejos são também tiranos em busca de súditos. O que diferencia Resnais de outros muitos bons diretores que também contam essa mesma história complicada é que, nos seus filmes, não existe quem se submeta à tirania alheia. É nesse momento que ele se aproxima do surrealismo. O que há de surreal no seu cinema é, na verdade, utopia.
Não uma utopia de novos começos para o cinema, à maneira de um profeta de imagens. Resnais é utópico porque suspende a real tirania cotidiana e vai em busca de personagens que apenas tentam lidar como podem com seus desejos. São personagens surreais porque resistem a se deixar escravizar pelos seus próprios desejos. Mas também porque, em momentos decisivos, recuam do desejo de escravizar outras pessoas. Chegam mesmo a se colocar voluntariamente como campo de testes de desejos alheios, uma generosidade que nunca acaba em servidão. Uma das grandes sacadas de Resnais é conseguir fazer disso matéria de riso. Mesmo que às vezes seja um riso forçado e sem graça.
O título original do filme ("Les Herbes Folles") seria talvez melhor traduzido como "ervas agrestes", ervas não cultivadas. Mas, em francês, são também as ervas "loucas". Essas ervas são desejos. Ainda não cultivados, dirigidos e empacotados segundo as regras da indústria hollywoodiana.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.

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